Um dia depois do outro

Nunca escondi que cresci em uma família conservadora. Sempre ouvi horrores da esquerda. Mas, para ser honesta, nem prestava atenção. Fui educada para abominar política e os políticos. Até 2014, votei em candidatos de direita. Estava convencida que de quatro em quatro anos, aconteciam eleições presidenciais, e só. Mal dava notícia das eleições municipais e estaduais.

Lógico era eleitora do Aécio Neves. Resumo, uma alienada com o título de eleitor... Após a eleição da Dilma, fiquei triste. Queria a vitória do Aécio. Mas já no fim da apuração, o menino mimado não aceitou o resultado, esperneou e jurou que a vencedora não governaria. Me senti muito incomodada. Apesar de não entender nada de política, percebi que as coisas degringolavam e desmanchavam o estado de bem estar social. O desemprego crescia. Ouvia uma gritaria de corrupção, e a economia começou a dar sinais de perder o vigor.

A câmara boicotava tudo que a Dilma enviava para ser votado, impedindo a recuperação da economia. Em 2016, em uma sessão "tenebrosa" a Câmara votou pelo impeachment de Dilma Roussef. Apesar da cena deprimente do último voto, confesso envergonhada que senti alívio em ver aquilo terminado, e pensei que com a entrada do vice, o Temer, a economia voltasse aos trilhos. Ledo engano! Temer enviou ao congresso uma reforma trabalhista, que me parece legalizava a terceirização de postos de trabalho. Lembro que me senti decepcionada por que não percebi nenhuma melhora. Tive até boa vontade de achar que tudo daria certo afinal. Não aconteceu. Passei acreditar que tudo voltaria ao normal na próxima eleição.

Ainda em 2016, antes do impeachment de Dilma, Lula foi levado para depor coercitivamente. Não entendia como um e presidente distante do poder desde 2010, era manchete de noticiários, que diga-se de passagem, me pareciam espetaculosos. Mais confusa fiquei ao saber, que Lula havia comparecido a outros depoimentos, portando era desnecessária aquela atuação por parte da justiça. Não entendia por que diziam ser "golpe". Estava assustada com o que acontecia mas não tinha conhecimento, informações para formar minha opinião. Uma das coisas que me causavam estranheza, era a forma convicta, que a militância defendia Lula e Dilma.

Quando surgiram os áudios da JBS que envolviam Temer, me convenci que algo não se fechava na história. Logo depois vi cair a máscara de Aécio Neves, pedindo propina para JBS. As peças do quebra cabeça Brasil, aos poucos se revelavam. Apesar disso, menos entendia. Senti que Temer traíra Dilma. Mas se faziam parte da mesma chapa, como poderia ser? Aí fiquei sabendo que Dilma era do PT, mas o Temer era do PMDB. De certa forma questionei a um amigo petista, por que haviam feito a chapa com um outro partido, o que de pronto achei ter encontrado o problema...Hoje sei que não era tão simples assim.

Lembro-me de ter acompanhado a votação que decidiu sobre a prisão em segunda instância e senti um ponta de tristeza quando percebi que se encaminhava para a prisão de Lula, um pouco antes, já me angustiava com a votação no TRF-4. No dia 07 de abril de 2018, acompanhei pela TV com o coração apertado aquele circo de horrores da prisão. Lembro que ainda frequentava missa, essa é outra história que um dia conto, saí de casa mas com o coração aos pulos, torcendo para que não acontecesse a prisão... Não sei nem o por quê dessa reação. Então durante a missa das 19 horas ouvi fogos , passeata e lembro que meus olhos se encheram de lágrimas. Decidi, a partir dali iria entender o que estava acontecendo! Mas não sabia onde buscar.

Então comecei a ouvir a mídia independente de esquerda. Assistia várias, DCM, 247, Fórum, GGN... não sabia exatamente o que procurava, mas nelas me alimentavam com pedaços de informação. Me inscrevi em todas elas e meu senso crítico já dava sinais. Comecei questionando a posição da Igreja Católica, achava que deveria ser mais atuante em relação às desigualdades e a pobreza. Depois comecei a questionar o papel hipócrita de alguns fiéis. Mesmo assim era frequentadora da igreja até o início da pandemia. Era assídua nos canais e me tornei membro de alguns. Tinha muitas perguntas e algumas certezas que foram ao chão, diante das respostas que encontrava. Me senti acolhida mesmo não me sentindo fazendo parte da esquerda. Literalmente me reconstruí. Nem eu me reconhecia. Mas me senti feliz com o resultado!

Até que em fevereiro de 2019, me tornei membro da 247, tinha feito vários amigos virtuais que tinham sentido muito, como eu, o resultado da eleição de 2018. Lá comecei a a entender da tristeza pelo Lula preso; acompanhar as transmissões dos encontros, e perceber como é bom estar em uma comunidade, que passou ser minha família. Destruída pelo furacão eleição que passou pelo Brasil, e virou a minha família de pernas para o ar. Custei recuperar parte da "normalidade"... nunca mais foi igual. Os ânimos ficaram belicosos. Não sei quando foi a última vez que conversamos "descompromissadamente". Ficou pior quando assisti o filme "Democracia em Vertigem"... o filme teve o impacto de um tapa na cara! Assisti de três vezes por que chorava descontroladamente e não conseguia terminar. Isto por que, finalmente entendi o que rolou desde 2014. Enxerguei que minha família era de direita e graças à forma alienada que fomos educados, contribuímos para o que o Brasil se tornou. Vários parentes votaram em Bolsonaro e viam a esquerda como algo a ser eliminado! Agora eu estava no ninho do inimigo. Cheguei ao ponto de me trancar em casa com minha filha autista. Não confiava, e acho que ainda não confio em ninguém que me cerca...

Triste, mas deixei bem claro minha nova maneira de pensar. Me assumi de esquerda porque me identifiquei com os posicionamentos em vários assuntos. Encontrei minha turma, estou feliz! Muitas coisas que valorizava, hoje não fazem sentido para mim. Sei qual o motivo da minha luta. Antes pensava ser apenas a minha filha, mas hoje sei que preciso lutar para melhorar um pouco o mundo. Por que como está, não tem lugar para ela! Se ele é desigual e injusto para quem pode enfrentar a luta, para uma deficiente totalmente dependente, como será?

No dia 08 de março de 2021, uma decisão de um ministro do Supremo Tribunal Federal, devolveu os direitos políticos ao Lula. Ele já estava em casa graças ter sido derrubada a prisão em segunda instância. Foi o primeiro dia que nossos olhos brilharam com esperança, era dia 08 de novembro de 2019. Assisti emocionada Lula saindo da Polícia Federal de Curitiba. Mais de 500 dias de prisão injusta, e ontem o ministro Fachin anulou a mal fadada sentença. Dei Graças a um Deus , que sei que Existe, mas por causa de falsos religiosos e fiéis, tive certeza que não louvamos o mesmo!

Dormi feliz essa noite, mas sei que é um brilho distante como uma estrela, que está lá apontando o caminho. Ilumina nossos olhos, e fortalece nossa luta! Venceremos!