isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é

Chegando a Brasília, logo o primeiro dia de aula ( leia-se “aula” com bastante sarcasmo e gesticulando os dedos ridiculamente como aspas, pois é a melhor definição) foi com um professor sem matéria definida que, por essa razão, decidiu se apossar do conceito de “Hands On” e mudá-lo para “projetos loucos que eu sonhei para passar para os meus alunos idiotas”. Eu quero morrer se ele não disse que sonhou com um projeto. Com isso, conclui-se a maravilha de coerência e orientação que tivemos. Porém, o tema central da aula foi um outro projeto, uma espécie de cápsula do tempo em que teremos que fazer e guardar uma carta para nós mesmos. Pra completar, haverá uma leitura coletiva dessas cartas em dezembro. Ótimo. Eu realmente adoraria ler minhas angústias e desejos para uma turma que, até perceber que eu era útil, me massacrava. Obviamente farei uma carta limpa, pasteurizada e beirando ao ridículo de tão genérica. Tudo para evitar o linchamento, que já é quase inevitável. Não direi que os amo, não chorarei por ser o último ano no colégio, creio que não sentirei um átomo de saudade, pois não tenho nada mais que mágoas e pouquíssimos momentos genuinamente bons. Só levo comigo uma amizade linda que sobreviveu ao orgulho sobrepujante de ambos. Raro. A vida é rara.

Não lembrarei, tampouco, de paixãozinha alguma. Até porque não tive. Minto. Passei o primeiro ano adorando a imagem de homens mais velhos, típico de quem nunca teve uma paixão que não fosse a platônica, quase doente e digna de dó pela inocência que não me cabe mais. Cresci.

Não direi também sobre as variadas e recorrentes violências. Deixarei os detalhes sórdidos para minha futura psicóloga, que há de aguentar muitos devaneios. Ora cômicos, ora trágicos.

Segundo os filmes que eu não gosto, mas que envelheci vendo, as meninas deveriam estar ensaiando uma coreografia de líderes de torcida com aquelas roupinhas vermelhas hipersexualizadas, segurando pompons e gritando pelos meninos, além de terem um caso com algum quarterback tapado, mas lindo. Tirando o clichê, na vida real também temos algumas regrinhas que segregam os grupos. Eu demorei anos pra entrar em uma roda de amigos e semanas pra sair, é impressionante como eu simplesmente não me encaixo. Mas quando estou encaixada, alguém me desloca sem razão aparente. Na ficção, eu certamente não seria a líder de torcida desejada e popular, até porque não tenho coordenação motora para aquelas estripulias, tampouco toparia ser mero objeto sexual dançante. Na vida real, também não integro o grupinho das poderosas. Nos dois mundos, eu seria algum tipo de nerd parcialmente excluída. Não como nesses filmes, claro, só uma pessoa relativamente normal que estuda e faz trabalhos. Que tenta, pelo menos. Aprender no EAD é meu conto de fadas do momento.

Se eu estava escrevendo com algum propósito ou tema central, eu já me perdi faz tempo. Ah, sobre a carta. Acho que ficou claro que eu não posso ser sincera nessa carta escolar, ela precisa ser adequada ao momento. Se não estou sendo totalmente eu mesma nessa crônica, que só será publicada se eu quiser, veja lá num texto pra ler diante de professores, alunos e padres (estudo numa escola católica). Melhor fazer um bilhete com uma frase de impacto, meio motivacional, assim como todos. Essa história de ser você mesmo é uma farsa, ninguém pode, ninguém deve e ninguém consegue ser. Freud explica isso, não que eu vá parafrasear alguma coisa ou resumir o pensamento dele. Fica pra um outro momento. Se bem que isso de ser aquilo que somos ainda pode nos levar além. Citando mais ou menos Paulo Leminski, cuja razão do mundo todo lhe pertence, mas que eu ainda estou descobrindo. Voltando: se eu não me aceito como sou, o que esperar dos outros? Sério, eu tenho segredos tão internalizados que não conto nem a mim mesma. Pobres leitores, isso parece mais uma sessão de terapia. Imagino Clarice Lispector como minha terapeuta, acho que eu sairia em pânico. Ou curada. Taí uma coisa sobre Lispector: ela me enlouquece porque eu a entendo. Não com a cabeça, mas com os sentidos. E, quando eu percebo isso, tudo faz sentido mesmo sem fazer. E essa frase não faz sentido algum, eu sei, mas funciona pra mim. No final das contas, é só isso que importa