AMOR ETERNO

O sol e a lua, coitados,

cada um com sua importância,

são como dois namorados

que se beijam à distância.

Os dois se conheceram há longo tempo. Muito antes de eu nascer eles já trocavam mensagens siderais. Ele, mais pomposo, adora ser chamado de rei e até usa uma coroa para mostrar sua majestade durante o dia. Quando se recolhe, à noite, ela aparece triunfalmente, com ornamentos dourados e um séquito de estrelas para ocupar o trono. Cumpre seu turno com brilho e elegância até ouvir as trombetas da aurora, quando então se afasta com leveza, envolvida num tapete de nuvens.

Essa é a vida do Sol e da Lua. Cada um no seu papel. Um enredo imutável. Amantes desde o início dos tempos, eles não se tocam. Mal chegam a ver o rastro que o outro deixou no firmamento ou a réstia de luz que ficou no caminho. Mas eles se amam para todo o sempre, carregando o peso do Feitiço de Áquila.

Ele não pode negligenciar suas obrigações de provedor. São muitos os beneficiários sob seus cuidados, ao redor do universo, tudo com horário certo: Urano, Saturno, Plutão e outros planetas que dependem de sua luz diária, na angulação correta.

Ela, por sua vez, não pode abandonar o posto de rainha da noite. De musa celestial que inspira namorados e poetas, pois sua função não é apenas iluminar a Terra e orientar os marinheiros. Se assim fosse, não teríamos um Chão de Estrelas, com estes versos: “a lua furando o nosso zinco salpicava de estrelas o nosso chão”.

Cada um tem sua missão determinada desde os primórdios da Criação. Por isso eles não se encontram, embora se amem como todos os namorados. A Lua é mais sensível e tem suas fases. Lua cheia, por exemplo, é quando a saudade aumenta. Minguante, é quando recebe pouca atenção do Sol. Aliás, como todos os namorados, dez vez em quando eles têm seus arrufos, mesmo à distância. É aí que acontecem os eclipses e a Lua se esconde. Mas é coisa passageira. Logo, os dois voltam a se entender, mais brilhantes e apaixonados que nunca, chegando a influenciar a taxa de natalidade aqui na Terra.

Os casais cá embaixo agradecem a reconciliação, mas os dois astros continuarão marcados pelo Feitiço de Áquila. Ou seja: “sempre juntos, eternamente separados”.

E por que essa história me veio à cabeça? Porque todas as noites eu me sento na varanda com uma taça de vinho e me ponho a contemplar a lua. Longe de você, meu amor, há muito tempo, por causa dessa pandemia, já vejo nós dois como o Sol e a Lua. Que não dure muito essa “eternidade”. Eu não suportaria. Você brilhará para sempre mas, sem a sua luz, a minha se apaga.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 15/02/2021
Reeditado em 16/08/2022
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