Amigo da Vizinhança

- Tchau, amiga!

Assim se despediu de mim um menininho de sete anos que conheci essa manhã, o Arthur.

Vinte minutos de conversa foram o bastante para nos tornarmos amigos.

Ele estava entediado, falando sozinho em meio a um salão de beleza com mulheres demais e uma mãe sem paciência. Eu já havia reparado a agonia dele e estava doida para me aproximar e tirá-lo daquele tédio sufocante.

De repente, depois de ouvir muitas reclamações de sua mãe: "você não para quieto", e expressões do tipo, ele viu o meu marcador de páginas enquanto eu lia Admirável Mundo Novo e puxou assunto.

- Como funciona? - comemorei muito essas palavras, mas contive minha empolgação.

- É um imã, tá vendo? Aí ele prende a página dos dois lados. - juro que visualmente é bem fácil de entender.

- Ah sim! Entendi!

Com medo de a conversa acabar ali - confesso que também estava querendo conversar, adoro entrar no universo paralelo que é a mente de cada criança - mencionei os personagens do marca-páginas. O marcador é especial, foi feito sob encomenda de uma colega do cursinho. Nele estão estudando juntos Trafalgar Law e Tony Tony Chopper. Não, eles não são gângsters, por mais que "Tony" remeta a gângsters famosos do audiovisual, são médicos renomados no desenho japonês, "anime", chamado "One Piece". Utilizo muito a ficção para me motivar e, à época, estava estudando para os vestibulares de Medicina.

Ele não os conhecia, então emendei outro assunto ao nosso papo: A Família Adams. Percebi que ele estava cantando a música tema enquanto fingia prestar atenção à minha leitura. Ele estalava os dedos enquanto cantava, por isso, principalmente, conectei as informações, já que sabia que a animação baseada no filme clássico havia sido lançada recentemente. "Tandandandam (rápido), tantam (devagar)! Tandandandam, tantam! Tandandandam, tandandandam, tandandandam, tantam! Essa foi a melhor onomatopeia que encontrei para relembrar a peça musical ao leitor...

Novamente o assunto acabou e então utilizei a carta na manga que eu guardei, desde o momento em que o vi, para aquele instante: o fato de ele estar vestido com uma camiseta do Batman - com uma capa "irada" como ele diria. Nesse sentido, achei estranhas e curiosas as gírias que ele usava: "mano", "de boas", entre outras. Depois me toquei que vivemos a era dos "youtubers" e que ele provavelmente havia aprendido aquelas palavras com alguns deles. Era estranho para mim, mas sabia que não era errado.

- É o seu herói favorito?

- Não! - Respondeu com convicção, quase ofendido.

- Então qual é?

O pensamento dele foi mais rápido que o "Flash" correndo - já que estamos falando de heróis, achei que essa fosse a melhor metáfora. Aqueles olhos claros demonstraram uma curiosidade e uma seriedade enormes. Quando ele perguntou em cima da minha pergunta pude sentir a importância que ele deu para ela, era a pergunta do milhão.

- Antes de eu responder, qual é o seu herói favorito?

- O Homem-Aranha - disse tímida. Nunca se sabe, ele poderia achar ridículo, considerar uma escolha boba... Crianças são muito sinceras e isso dá medo. Raramente estamos prontos para ouvir a verdade sem rodeios.

- É o meu também! Olha os meus pés!

Segui a direção do seu dedo pequenino apontando para baixo. A camiseta era do Batman, mas o sapato "crocs" era do Homem-Aranha. Pronto, o laço estava atado.

Daí para a frente conversamos sobre o "cabeça de teia", além dos vários heróis da "Marvel" e da "DC". Discutimos teorias sobre os filmes e ele listou seus dez heróis favoritos e os dez vilões de que mais gosta. Inclusive, expôs sua chateação quanto a partilhar o mesmo nome que um vilão o qual eu desconhecia, Arthur. Ele entendia as nuances e a dualidade do vilão, que ele é importante para a jornada do herói, contudo, é amoral e o mal que pratica deve ser evitado.

- Você acha que podem existir heróis? - perguntei.

- Não. Quer dizer, o Homem-Aranha sim. Uma picada de aranha normal só ia envenenar e talvez matar, mas uma aranha robótica conseguiria transformá-lo, acredito que sim.

Fiquei encantada com a profundidade do raciocínio dele. Biotecnologicamente faz muito sentido. Talvez uma nanotecnologia avançada, futurística... Enfim, perdoe minhas elucubrações, fui afetada pela liberdade de pensamento dele naquele momento.

Não posso esquecer de mencionar o drama que ele estava vivendo como fã do Homem-Aranha... Arthur me mostrou que um boneco dele com a armadura mais nova e tecnológica de todas, dada pelo Tony Stark - o Homem de Ferro - estava caído, ou melhor, seus restos mortais, apenas a sua cabeça, dentro de um bueiro ali perto. Era uma imagem deplorável. Só um vilão poderia ter feito aquilo, bem, naquele momento foram vilões: a gravidade e os obstáculos em que o boneco bateu ao cair da mão de Arthur.

- Vamos verificar os outros bueiros aqui perto. Talvez a água tenha levado o corpo dele! - observou sabiamente e eu o segui.

Infelizmente, o corpinho dele não estava lá, no entanto, Arthur não se abalou muito, soltou um "que pena!" e continuamos a conversar quando voltamos à nossa Batcaverna, a entrada do Salão.

Por fim, os nossos quinze anos de diferença não foram um empecilho para que tivéssemos uma conversa de igual para igual. Esse texto é uma forma de garantir que, se um dia a minha memória me trair, o papel e o grafite, ou o teclado e as letras digitais recordar-me-ão do meu amigo em comum com o amigo da vizinhança.