Dicotomia de caráter

Sinto que não presto. Às vezes vejo em mim os mesmos defeitos deploráveis dele. Minto. Vejo faíscas desses defeitos. Tenho que me policiar para não cair em um abismo.

Falo de mim como se tivesse cometido uma falha enorme. E cometi, de fato. Duas, três vezes. Conscientemente? Não muito. Ninguém liga, então tanto faz.

Será que um dia eu disse que nunca, nunca ia gostar de alguém impossível? Eu devo estar pagando minha língua. Não, não, eu devo estar pagando meu corpo inteiro. Vou ter de arranjar um violão e cantar uma moda da jovem guarda, aquela que fala “e pra começar, eu só vou gostar de quem gosta de mim”. Mas sabe o que me curaria desse fardo de carregar no peito uma paixão platônica? Uma boa e velha festa de São João. Deve ter uns cinco anos que perco esse evento, o meu preferido. São João em Brasília é em julho, agosto. É qualquer coisa, menos São João. Triste.

Eu nunca dancei forró com seu ninguém. Aliás, nunca aceitei dançar. Pareço bicho do mato, medo de tudo. Medo de uma dança. Eu não sei dançar, mas agora eu queria. Queria bem com aquele que não posso. E com quem posso também. Hoje eu dançaria com Deus e o mundo, como dizem. Com dançar eu quero dizer muito mais, é sempre muito mais. O mundo vai acabar e eu só quero me emaranhar por aí. Antes de morrer, maestro, toque a última. Me conceda uma dança, a dança do fim dos tempos.

Eu acho que, sabendo meu último dia de vida, não ia pensar em agir eticamente. Não, eu não ia me importar. Eu seria apática e feliz. Seria egoísta e divertida como nunca. Beijaria até a Santa que tem aqui, a padroeira. Ia andar despida de pudores. Seria finalmente eu.

Mas eu também sou todo o oposto do que falei agora. Parece que tenho várias personalidades. E isso não é legal, caso pareça.

Eu bateria em vários portões também. Nada de “oi, tudo bem?”, ninguém quer realmente saber se a gente tá bem, eu só descarregaria minha energia nunca usada em quem abrisse o portão. Torcendo pra ser quem eu esperava que fosse, lógico.

Será que eu conseguiria trair os princípios que cultivo? Sendo minha véspera de morte, provavelmente.

Eu escrevo, escrevo, mas nunca faço nada. Se tivesse crime de pensamento, eu seria decapitada e teria minha cabeça exposta para todos verem o caos em matéria.

Sou inofensiva sem o lápis. Acho que 50% de mim é bom e inocente. A outra metade é impulsiva e inconsequente. E parece que eu me afogo na inconsequência. Especialmente com as palavras, eu nado numa

sopa de letrinhas maléfica. Mas sempre ridiculamente ingênua.