Dia primeiro

Ontem, ainda 23h e alguma coisa, ouvia-se a pausa existente no som. Ouvia-se, portanto, o silêncio. Só havia ele para se ouvir numa noite em que nem os grilos se apresentaram. Até que as notas de samba, melhor, até que as belíssimas notas de samba de Baden Powell ecoaram na sala. E na voz do capitão do mato, Vinicius de Moraes, a gente sofre com elegância.

E vem a pausa de novo. Dessa vez, a minha própria pausa no pensamento pra apreciar a tristeza de um bom samba, que pode ser bela. Devemos concordar, afinal, que é preciso um bocado de tristeza pra se fazer um samba com beleza. É quase uma forma de oração, porque a tristeza guarda no âmago de sua essência a esperança de um dia não ser mais triste.

Agora, escrevendo, lembrei de quando fui ao Rio. Uma breve ida, mas que peço licença para parecer caricata: foi impagável passar por Copacabana ouvindo Wave. Estava no meu próprio filme, quis descer do carro e me atirar no mar de gente, no mar de mar também. Só não concordo, Tom Jobim, que é impossível ser feliz sozinho. O resto eu danço. A brisa te disse isso, só que ela soa de maneiras diferentes. O que eu senti, por um instante, foi um pertencimento ao Rio. Tenho o mesmo sentimento, só que muito mais genuíno, quando se trata da Bahia. E, assim, me vi finalmente vivendo o que intimamente sinto que é minha sina: a arte. De quê? Ainda não me decidi. Por enquanto, vou mostrando como sou. Mostrando não, escrevendo. Taí, as palavras podem ser a minha arte. Que eu definitivamente não domino. Sou dominada. Vivi minha carreira inteira nesses minutos de viagem, que foi - por sinal - curta. Mas não trágica. Só curta. Isso porque o motorista não demorou tanto e, assim, minha ilusão cessou ao descer do táxi. De volta à realidade.

Ontem, ainda 23h e qualquer coisa, não pude deixar de pensar que poucos minutos faltavam para completar um ano que estive com tantas pessoas. Nunca quis uma aglomeração como quero hoje. Gente é pra ser feliz, não é? Pra viver o tempo que nos foi emprestado. Que tenhamos uma explosão de sociabilidade já!

Comemorávamos a chegada de um ano que ninguém fazia ideia que seria uma tortura social. E lembrei como faltar um pouco de juízo deve fazer bem. Se tivesse umas gotas a menos, teria vivido muito, muito mais (com arrependimentos em dobro, certamente). Teria demorado mais o abraço, porque a gente não sabe quando vai se abraçar de novo. Mas, melhor que isso, é se afundar em olhos lindos. É certo dizer que estrelas estão no olhar. No dele, pra ser exata.

Não é invenção de poeta nenhum, devo ressaltar. Se Olavo Bilac conversa com estrelas, eu as vejo. Vejo no preto desses olhos-luz, olhos de imensidão, os pontos brilhantes e equidistantes. Atônita, vejo até um azul que não há, um azul cor de memória de algum lugar. Então, só me resta acreditar que é possível reunirmo-nos em breve, para além da lembrança. De novo. E sempre. E tanto.