EFEITO COLATERAL

William Shakespeare já foi vacinado. Na Inglaterra, um homônimo do imortal escritor foi o primeiro homem a receber a vacina contra a COVID-19, logo depois de Margaret Keenan. O fato histórico aconteceu em Coventry, cidade localizada a apenas 30 quilômetros de Stratford-upon-Avon, onde nasceu o Shakespeare original.

Coincidência? Ato pensado para atrair os holofotes da mídia? Qualquer que seja a hipótese, eu fico imaginando se essa moda pega pelo mundo afora. Na França, Victor Hugo provavelmente vai ser o primeiro a receber a agulhada salvadora. Eça de Queiroz tem grande chance em Portugal. Aqui, no Brasil, temos muitos candidatos, mas eu apostaria em Machado de Assis.

Agora, vamos imaginar que essa inédita vacina, que vai salvar a humanidade e cujos efeitos colaterais nem a medicina conhece direito, traga como reação, nesses casos, a transmigração da alma do ilustre falecido. Uma reencarnação. O antígeno, ao provocar a produção de anticorpos, traria também, por associação dos nomes, a personalidade do defunto. Mas só no campo da literatura e das artes. Não podemos expandir muito. Ainda deve existir algum Hitler por aí.

Seria ótimo, não? O dramaturgo inglês, com as novas mãos, continuaria sua obra e nos brindaria com ROMEU E JULIETA II, ressuscitando o casal e consolidando a paz entre os Montecchios e os Capuletos. Além de redimir Jean Valjean, Victor Hugo incluiria uma legião de miseráveis que hoje, mais do que na sua época, precisam furtar um pedação de pão para sobreviverem.

“Sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”. Retomando essa epígrafe, o novo Eça de Queiroz poderia escrever várias outras Relíquias e ordenar outros padres Amaro. Eu os leria todos, junto com o Primo Basílio.

Mas... e no Brasil? Por que eu torço por um contemporâneo que responda pelo nome de Joaquim Maria Machado de Assis? Com tantos Dom Casmurros por aí, a resposta é simples. Finalmente ficaríamos sabendo, sem nenhum julgamento moral, se Capitu - aquela de olhos de cigana oblíqua e dissimulada – traiu mesmo Bentinho. Se rolou mesmo um triângulo amoroso com Escobar, dúvida que perdura há mais de cem anos.

Qualquer que seja a resposta, a obra mantém seu brilho e os personagens, sua força, “per omnia secula seculorum.”

Aguardemos, então, a chegada da vacina. Até lá, os delírios literários deste cronista não vão fazer mal a ninguém.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 10/12/2020
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