Uma história de racismo e preconceito

“Hoje estou com quase oitenta anos e este fantasma de culpa já me acompanha por quarenta anos, sem conseguir me libertar de uma grande injustiça que cometi contra Jacinta, uma senhora negra que morava num quartinho no fundo de casa e trabalhava conosco há 30 anos.

Eu era um juiz renomado na cidade de Resplendor e tinha a reputação de ser justo e honesto. Julgava cada causa com equidade, mas desta vez, a emoção falou mais alto que a razão sendo traído pela minha omissão.

Uma ocasião recebi uma quantia muito grande em dinheiro pela venda de alguns terrenos herdados do meu velho pai. Cheguei em casa e como habitual, coloquei o dinheiro na gaveta do guarda-roupa. Dias depois quando fui busca-lo para depositar, havia simplesmente desaparecido.

Pressionei o meu filho que negou o tempo todo. Falei com a Jacinta, tendo ela afirmado que nem sabia que havia dinheiro na gaveta. Pensei que certamente a hipótese de um ladrão ter me seguido e durante a semana ter efetuado o roubo fosse a explicação. Entretanto, o rebú foi aumentando deixando no ar muita revolta e desconfiança.

Semanas depois, meu filho disse-me ter visto Jacinta saindo com uma sacola e entregando para um jovem estranho de cor. Logo a notícia se espalhou entre os familiares e amigos, que a ladra da Jacinta havia roubado uma grande soma de dinheiro. O meu filho engenhoso desde de tenra idade, não parava de comentar histórias aterradoras sobre aquela criatura desprezível.

Fiz a vida de Jacinta negra, mas ela, humildemente negava o todo tempo. Um dia, pegando-a pelo cabelo áspero e amarrado, arrastei-a até a rua soltando-a brutalmente no chão. Senti satisfação ao vê-la proteger o seu rosto ferido que já havia sofrido com várias bofetadas. Enraivecido, peguei um reio e dei lhe várias chibatas. E como não bastasse, ainda levou vários pontapés na barriga, costas e cabeça. Vendo o seu sangue jorrando por todo corpo e o gemia de dor me deu um enorme contentamento de justiça. Mas não satisfeito, peguei um vidro de álcool para atear fogo sobre ela que em pranto copiosamente negava o tempo todo. Só não a matei porque minha esposa Cândida que acreditava em sua inocência, interferiu quando estava com o fósforo acesso pronto para o momento final. Apenas joguei o fogo em apenas trapos coloridos que ela possuía.

Jacinta estava desmaiada e pensei que ela iria expirar. Ninguém se atreveu a fazer nada, somente olhavam pela fresta das portas e janelas. O caso ficou por ali. Com muito dinheiro e influência comprei o médico, o delegado e a imprensa. Mas a história não se desvaneceu, continuando viva e entranhada em minha memória já velha e cansada.

Anos depois, descobri que fui roubado pelo meu próprio filho. Nunca contei a ninguém tentando dessa forma preservar a reputação dele. Até hoje, para todos Jacinta continua sendo a grande vilã da história, mas para mim um pesadelo sem fim.

Um dia resolvi ir até ao vilarejo distante em busca dela tentando redimir a culpa que sentia no mais profundo da alma. E qual não foi o meu espanto que ao chegar no barraco, estava fechado e coberto de mato. Perguntei aos vizinhos e surpreso fiquei ao saber que morrera de desgosto por ser injustiçada de um crime que não cometera. A tristeza tinha tomado o seu coração e a ingrata depressão a levado para chão. Sem comer, sem beber, sem querer mais viver, morreu frágil e pálida numa triste manhã de inverno.

Voltando para casa parecendo que o fantasma dela me acompanhava, me tranquei em mim mesmo. Entrei numa grande depressão e nenhum remédio conseguia curar a dor que carregava em meu coração. Fiquei tão debilitado que não mais consegui exercer a profissão. Cândida morreu jovem com câncer no seio, meu filho Caim, tornou-se um andarilho destruído pelas drogas e eu por quarenta anos sou atormentado por essa injustiça que cometi.

O médico disse que terei poucos meses de vida e logo resolvi escrever minha triste história, para que ninguém cometa a injustiça que pratiquei. A vida é justa e a gente planta o que colhe e de fato colhi muita tristeza, rancor e amargura”.

Este breve texto foi encontrado na escrivaninha, de um asilo onde o juiz Sérgio Maquiavel Mourisca, passou seus últimos dias, morrendo sozinho e esquecido por todos.

Antonio Magnani
Enviado por Antonio Magnani em 09/12/2020
Código do texto: T7131172
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