Traição! Adultério! Separação!

     1. Tenho uma amiga, a Esmeralda, que está se separando. Seu divórcio corre em uma das Varas Cíveis da Comarca de Salvador. Casou, já faz muito tempo. Não teve filhos.
     Fui testemunha do seu casamento religioso. Inda me lembro da cara alegre do padre que a uniu ao Plínio Alencar, na esperança de que só a morte os separasse.      
     
2. Faz tempo que não vejo Esmeralda. Não sei agora, mas quando casou, ela era um mulheraço. Elegante e, fisicamente, quase perfeita: tinha os seios fartos, mas no tamanho certo. Pernas torneadas e sem varizes. Coxas sem celulite e quadris provocantes. Era uma mulher enxuuuta! 
     
3. O Plínio, dois anos mais velho do que ela, não chegava a ser um galã, mas conquistava fácil as mancebas. Corpo de atleta. Dono de excelente prosa. Nos seus galanteios, costumava recitar versos de poetas românticos da sua preferência. Uma barriguinha. Por ela podia ser responsabilizada  as cervejinhas nos finais de semana no boteco da esquina. 
     
4. Num botequim frequentado por gente de primeira, localizado em um dos bairros chiques da capital baiana, Plínio conheceu Esmeralda. Ficou encantado pela morena. Pegou um guardanapo e se declarou apaixonado por ela. Chamou Rosita, a garçonete, e lhe pediu que levasse sua mensagem "aquela moça de cabelos longos"... e apontou para Esmeralda. 
     
5. Após identificar seu admirador, Esmeralda intensificou seus olhares para o seu apaixonado, deixando o Plínio endoidecido... Os dias se passaram.      Um belo dia os dois foram vistos, no botequim, aos beijos e trocando carinhosos abraços. 
     As amigas de Esmeralda, testemunhando aquele idílio, quase todo final de semana, perguntava uma à outra: "Por que não eu?". 
     
6. O tempo terminou por levar os dois ao altar. Lembro-me que entramos na igreja ao som da marcha nupcial de Mendelssohn. O templo cheirava a rosas vermelhas e a incenso vindo do presbitério ricamente preparado para receber os noivos e seus padrinhos, eu, um deles. 
     
7. Esmeralda comunicou-me sua separação pelo seu celular por volta da meia-noite. Chorava mais do que falava. No primeiro instante, não encontrei palavras para levar-lhe o merecido consolo. A experiência adquirida no Fôro, nos longos anos de militância advocatícia nas antigas Varas de Família, não me socorreu, ouvindo os queixumes da amiga tresloucada. 
     
8. Mesmo assim, ousei indagá-la sobre os motivos que a levara a requerer a separação. E ela: "Traição! Traição! O Plínio me traiu". Indaguei-lhe como se dera a traição. Visivelmente constrangida, repondeu: "Flagrei-o na cama com uma mulher; a Marlene, minha colega de ginásio, acredite!". 
     
9. Crendo no depoimento desesperado da Esmeralda, conclui que o adultério estava configurado. - "Solus cum sola, nudus cum nuda in -  eodem lecto" - Sozinhos, nus, em outro leito -, aprendera nos livros  do saudoso jurista Washington de Barros Monteiro. Ou de acordo com a Jurisprudência moderna: "Solus cum sola in solitudine". 
     
10. Mas não podia orientar profissionalmente a amiga ferida. Ela já tinha um advogado com Procuração nos autos. Arranharia a ética se atropelasse o colega. Mesmo que o objetivo fosse apenas aliviar o coração amargurado da Esmeralda.
     
11. Optei por lhe dar um conselho, distanciando-me de qualquer orientação advocatícia. Assim: - Esmeralda, olhe nos olhos do Plínio (mesma que seja em audiência)  e, com altivez, faça-o ouvir esta constatação do saudoso Nelson Rodrigues: "Todo amor é eterno e, se acaba, não era amor".
     Ela agradeceu e desligou o telefone. Notei que não era bem isso que ela queria ouvir de mim. Mas não tive outra saída. Era o que me cabia fazer: saír sem manchar o meu diploma e o rubi do meu anel.
   
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 17/11/2020
Reeditado em 17/11/2020
Código do texto: T7113977
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