A VOLTA DA ESPERANÇA

Hoje, 7 de novembro de 2020, o dia amanheceu estranhamente mais leve. Ameaçadoras nuvens negras dissiparam-se dando lugar ao ameno sol da primavera. Sob um límpido céu azul-democrata, senti no rosto o frescor de uma revigorante e alentadora brisa, vinda do Norte.

Não foi a mera troca protocolar de comando de uma nação, mas o dia que foi confirmado o resultado da eleição em que o povo da maior potência do Ocidente deu um basta no ódio do passado e elegeu a esperança para o futuro.

Foi um triunfo do diálogo sobre a intolerância. Da união sobre o divisionismo. Das pontes sobre os muros. Das ciências e das artes sobre o obscurantismo e a ignorância. Da preservação do meio ambiente sobre sua destruição.

A vitória de tudo em que acredito e que ainda me faz teimosamente crer na tênue capacidade da raça humana de oferecer um mundo melhor para as próximas gerações.

Não foi uma vitória absoluta. A expressiva votação de Trump demonstra que parcela significativa da população ainda rejeita esses valores humanistas e se apega a privilégios inaceitáveis.

Dizem-se contrários a ditaduras mas desprezam as instituições democráticas, ainda que delas tenham se valido para ascender ao poder. Declaram-se cristãos, baluartes da moralidade e da família mas preconizam hipocritamente a prevalência das armas, da violência e da supremacia racial.

Agarram-se ao poder a que circunstancialmente foram alçados e não aceitam dele abrir mão. Derrotados agora nas urnas, debatem-se desesperadamente em recontagem de votos e fraudes inexistentes para mantê-lo, invocando teorias conspiratórias. Não admitem ceder espaço aos opositores, vistos como inimigos ameaçadores, vermes a serem extirpados.

Pouco sei sobre Biden. Talvez as expectativas de mudança recaídas sobre sua futura gestão desvaneçam-se ante uma realidade cruel e complexa. Pouco importa. O que vale é que se rompeu o perverso paradigma.

Sob o reino de Trump, os EUA e, por tabela, o mundo, viveram sob o signo da tensão, do medo e do confronto. Onde prevaleceu o desprezo pelos custosos avanços da civilização sobre a barbárie, frutos de séculos de lutas e conquistas.

Desprezo pelos pactos que buscam benefícios mútuos entre as nações. Desprezo pelos acordos de desarmamento entre regimes de diferentes matizes. Desprezo pelos tratados globais para mitigar ações que provoquem o aquecimento global e as mudanças climáticas. Desprezo pela cooperação internacional para combater doenças e problemas humanitários globais. Desprezo, enfim, pelos esforços para alcançar a paz, a segurança e o entendimento entre os povos.

Desprezo também pelos direitos dos excluídos, miseráveis, negros, indígenas, imigrantes, mulheres, homossexuais e tantos que querem garantir espaço nesse mundo excludente e desigual onde o abismo entre as nações e entre as pessoas ricas e pobres não para de aumentar.

A plataforma que elegeu o novo presidente foi a da inclusão. A começar pela improvável escolha da vice: uma mulher negra com ascendência indo-jamaicana.

“Governar para todos não apenas para os que em mim votaram”. Esse é o mote que deveria nortear todos os chefes de estado, sob a égide do qual cada cidadão deveria ter o direito de ser diferente e ter opinião própria, sem se sujeitar a prisão, execração ou discriminação.

A derrota do trumpismo não vai consertar o mundo. As injustiças, as desigualdades sociais, a miséria e as agressões ao meio ambiente não vão desaparecer como num passe de mágica.

Mas a eleição de Biden representou um decisivo passo nessa direção.

sergio sayeg
Enviado por sergio sayeg em 10/11/2020
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