Sônia

A mãe segura suavemente - alisando - a mão da menina, diante da sedução da vitrina, analisando, atentamente, os preços das peças à vista, as promoções, enquanto ela, a filha, de repente avista um bando de passarinhos de vários bicos e diferentes cores e sons, igualmente sedutores - ainda mais - no outro lado da pista, beliscando alpiste, lixo, milho ou algo do tipo - quando, instintivamente e às pressas, se desprende da asa materna e corre frenética em direção à liberdade das aves, para juntar-se a elas, liberta. Neste momento, um ônibus atinge, brutalmente, o corpo franzino da menininha; a mãe se desespera... Nãoooo!!! Não, espera, te acalma, essa história não é dramática - ou não deveria. A menina corre, encantada - como quem corre para abraçar a pessoa amada -, mas os pássaros encantados, antes de baterem em retirada, são capturados por uma enorme armadilha... É então que a menina, isto é, a mulher adulta, que ainda dorme e tem contas pra pagar, em sua espécie de gaiola é despertada do seu sono pelo canto do galo, celular, periquito, papagaio, sei lá!, que anuncia a realidade da vida, que, na verdade, é mais insana que qualquer insônia ou pesadelo - porque é movida a dinheiro; não há sonho. E Sônia corre, puta da vida (claro, acordou tarde... não há tempo pra reclamação nem maquilagem), revoltada, quase atrasada, ainda adormecida, pra não perder a hora da labuta, lida, luta, diga-se de passagem: pra não perder o busão, que a transporta no sufoco pro abate, digo, pro precioso trabalho... emprego, trampo, dignidade, independência, mola, sossego - ou outro adjetivo qualquer pra sobrevivência.