O CHUPA RAIO

Todo o dia primeiro de janeiro a turma se reunia na casa do Dantas, mesmo que ninguém fosse convidado. Afinal o fundador do Clube do Camelo merecia ter seu aniversário comemorado a caráter.

Para surpresa geral, naquele ano de 2000, pela primeira vez, a Lourdinha telefonou a todos cancelando o evento.

- Temos que viajar e vamos adiar a reunião, eu aviso quando e onde vai ser; mas acho que ainda este mês vai dar...

O fato é que chegou pelo meio do mês e nada dela ligar. Não lembro quem, nem onde, mas algum de nós encontrou o Dantas na rua com o braço duro. Quase não podia levantar o dito cujo, o que o impedia de dedilhar o instrumento que, apesar de suas outras habilidades com a pintura e o tiro ao alvo, fora o principal responsável pela criação do Clube. Essa era a causa do silêncio. Seu violão estava bom, mas o braço não.

A desculpa foi um raio . Isso mesmo, um raio atingira o causídico no braço e o tinha deixado imprestável para os ofícios da música e outras coisas mais.

Num piquenique, o Dantas e sua esposa Lourdinha, cujo nome de batismo era Maria, Maria Câmara Dantas - depois do casamento, até hoje ninguém sabe direito, acho que nem ela, por que a chamam de Lourdinha -, estavam se banhando nas águas geladas de um igarapé quando o tempo fechou. Nuvens escuras, ventania, trovoada e aquele raio! A madame saiu logo, mas o Dantas só deu tempo de pular pra fora d'água e segurar no cabo de alumínio da sombrinha que servia de abrigo, de tal sorte que o corisco, mesmo atraído pelo metal, pegou-lhe apenas pela metade, estropiando-lhe temporariamente o braço e a mão, logo a esquerda, que segurava as cordas, os trastes e o cabo do pinho, de onde tirava os acordes, como só ele sabia fazer.

Ninguém comprovou se a história foi verdadeira. O que se sabe é que, apesar da total recuperação dos dedos, da mão, do braço e do que mais tenha sido atingido, naquele ano não houve a tradicional seresta, nem a mais tradicional sopa da Lourdinha.

Como não podia deixar de ser, quando o acontecido foi divulgado a todos pelo telefone, o dantesco tema caiu como uma luva para mais uma letra do Eduardo, com música do Gervásio, que talvez, pelo respeito ao doutor, até que não foi muito divulgada.

CHUPA RAIO (O HOMEM QUE VIROU CARVÃO)

(Gervásio Cavalcante e Eduardo Queiroz - 30/01/2000)

Pelo telefone

De um jeito gozado

Contaram para mim

Dantesca é dureza

O braço parece

Pedra de marfim.

Dentro da camiseta

Chapéu, bota preta

E um bermudão

Pescador de primeira

Fora de brincadeira

Quase vira carvão.

Mas quem é que mandou

Nosso nobre Doutor

No mato se embrenhar

Quem nasceu pra pintor

Calma lá, já explico

Não consegue pescar

De caniço quebrado

E minhoca enrolada

O que tens pra dizer

Como diz o Agostinho

Me perdoa maninho

Ora vai te florer.

Chuva, raio, trovão

E quem diria compadre

Você de bunda no chão.

Quanto ao pau da barraca

O Gervásio engenheiro

Deu a explicação

Quem não caça e não pesca

Permanece na sua

Como faz o Maranhão

Quem confunde pau com alumínio

Sinto muito, coitadinho!

Um dia vai se tornar churrasquinho.