Diário da Lola

Querido diário, ultimamente tenho andado preocupada com o alvoroço que há em minha casa. Parece estranho falar minha casa quando lembro que há bem pouco vivia na rua. Não tenho boa memória, mas a sensação que tenho é que hoje sou amada, mimada por uma família que às vezes até me trata como se eu fosse gente. Imagine só. Preocupam-se quando estou triste, se fico muito calada ou se não como. Em troca, faço o que melhor sei fazer: beijo a todos, convido-os para brincar e até mostro os dentes quando vejo algum intruso muito próximo.

Mas hoje, alguma coisa diferente esta acontecendo. Barulhos fortes e estranhos surgem a todo instante e ferem meus ouvidos. Fujo prá baixo da cama imediatamente – antes, na rua, fugia para baixo de algum carro que estivesse parado. O surpreendente nisso, é que meus donos, esses que me adotaram, tentam me convencer a não ter medo. Será que são surdos? Que seus ouvidos não doem? Ou pior: não sabem o risco que estão correndo - e isso também me preocupa.

Quanto mais o tempo passa, mais eufóricos ficam todos, e mais fortes ficam os tais estouros. Têm uns que começam zunindo devagarzinho prá depois estourarem; outros explodem de uma vez – e meu coração quase sai pela boca.

Em meio a bebidas e abraços, comidas e beijos, sinto-me só e com medo... muito medo. Não consigo fechar os olhos. No escuro, e encolhida, tremo e quase vejo meu coração bater. É tão forte que tenho a sensação de sair do chão. Penso nos amigos que encontro na rua e que não têm um lar. O que estarão fazendo prá se defender desse desconhecido que parece não gostar de seres da minha espécie?

Não gostaria que meus donos ficassem tristes por minha causa. Ainda que a mim pareça estranho, estão felizes. Por isso, tento outros cantos escuros da casa, mas, nada detém. Por fim, procuro junto a um arbusto colorido num canto da sala, local que me sirva de abrigo - pelo menos ficarei perto deles.

E aconteceu – talvez, esses que faziam esse barulho também estivessem assustados com o barulho que meu coração fez junto com os de outros cães, e decidiram parar. Talvez, tenham olhado nos olhos de seus cãezinhos e entendido o nosso apelo.

Eu só sei que agora me deu um soninho... acho que vou dormir.

Feliz Natal prá todos.