QUANDO TERMINA O DIA

Mochila às costas, pensamento voejante, vou pisando a tarde pelas ruas de pouco movimento.
O burburinho da cidade mergulha no costumeiro âmbar do fim dos dias.
A sinfonia dos pardais no pinheiro de uma das mais antigas moradias do lugar , remete-me a mundos de meu imaginário.
Assim,vou cruzando com pessoas que não conheço , e sentindo a falta daquela cidade que perdi no tempo onde imperavam gestos de afetividade, tão raros nos tempos atuais.
Rendo-me à bagagem dos anos vividos e à constatação de que o mundo modernizou-se e preciso adaptar-me.
Minha cidade cresceu, evoluiu, mas insiste na teimosia de preservar algumas particularidades daquilo que vivenciei no passado.
A agência dos correios, por exemplo ,com a mesma fachada de outrora, a mesma porta que nos acolhia ofegantes a apanhar o recheio da caixa postal 104 onde as cartinhas das "amizades por correspondência" eram - guardadas as devidas proporções- o facebook de hoje em dia.
Éramos um grupo de amigos, todos apenas saindo da adolescência, compartilhando de um mesmo espaço numa sala de escritório no segundo piso de um prédio que , tal como o correio, mantém as mesmas formas.
O que separava (separa ainda) as duas edificações, é a linha férrea e uma praçinha onde avistávamos todos os dias o trajeto do encarregado dos correios empurrando uma carriola lotada de correspondências recém chegadas pelo trem das quinze horas.
Eufóricos, disputávamos a vez para apanhar as novidades que nos chegavam.
Vêm-me à lembrança o olhar melancólico de dona Aurora - agente dos correios - com sua cascata grisalha por trás do guichê,nos espiando entre uma vigorosa carimbada e outra.
Depois a abertura das cartas e a sala impregnada de "Toque de Amor" da Avon, respingado entre as linhas recebidas que nos enchiam de ilusões.
As respostas seguiam borradas de abundantes borrifadas de "Rastro e Lancaster".
"Sua estupidez", com Roberto Carlos e "Y started a Joke" com os Bee Gees - sucessos de então, faziam a trilha sonora pelas ondas da B2 e Universo de Curitiba, àquelas amizades e até alguns amores que existiam de fato só no papel.
Então, ruminando lembranças, em silêncio vou pisando a geografia da terra em que vivo.
Na rua da estação, deixo-me sucumbir ao assédio da nostalgia.
As idas e vindas nos trens de minha infância, os apitos das Marias fumaças, as elegâncias de minha avó e minha mãe rescendendo às lavandas com que a aristocrática tia Iracema as presenteava ...Ambas empunhando malas de viagem e conferindo se estava tudo certo.
Vovó implicando com o meu coque que não obedecia ao pente, o meu paletó que estava desabotoado, a postura que não estava ereta...
Ansiosas esperas pelos comboios que nos levariam a Ponta Grossa em visitas à familiares.
Agora feito um especto na plataforma vazia,apenas a saudade daquele que um dia fui.
Sento-me num banco à espera de minha condução.
Imersas na pasmaceira do dia que esmaece,
uma casa de janelas cerradas e a antiga estação, feito moças maduras pincelam-se aos derradeiros clarões de abril.

Entrego-me aos devaneios num cantinho desta cidade pronta ao primeiro beijo da boca da noite.
Não demora e o ônibus que aguardo me fará atravessar a outro extremo deste meu recanto,cujo bairrismo vagabundo e impertinente que me persegue, como se fora uma sina, me faz amar a cada dia mais.