CRÔNICA

O VÍRUS QUE VEIO DA CHINA NAS ONDAS DO RÁDIO

Toda noite o rito se repetia, bastava dar sete horas que o rádio na casa de seu Gabriel era ligado para ouvir “A Voz do Brasil”. Assim ficava sabendo dos acontecimentos e fatos que aconteciam país afora.

A notícia da noite ia deixar seu Gabriel a matutar noite adentro, capaz até mesmo de lhe tirar o sono. Homem de pouca cultura, mas de vastos conhecimentos na sua formação humanística sempre estivera ligado às notícias.

A notícia de um vírus que estava circulando lá nas bandas da China não deixou seu Gabriel tirar o ouvido do pé do rádio com os olhos arregalados, parecia que iam lhe saltar da cara de tanto medo dessa tal coisa.

O repórter enfatiza a notícia relatando dezenas de mortos naquele país, num tom assustador.

Assustado, Gabriel começa a se perguntar se o tal de vírus pudesse chegar até o Brasil:

– Aqui é muito longe. Essa tal da China está lá do outro lado do mundo, mas com esse mundo globalizado com tanta gente vindo de lá e outros daqui indo pra lá, tudo é possível.

Querendo ficar um pouco mais calmo, sintonizou em outra estação para ouvir suas músicas de raiz, toadas e canções brejeiras.

De nada adiantou. Naquela noite não se falava em outro assunto: o vírus é mortal, ainda não se tem conhecimento de um remédio capaz de derrubar o tal, salvo a recomendação de lavar as mãos com água e sabão e o uso do álcool em gel 70%, como prevenção.

Como de costume, Edinha se levantou cedo para fazer o café e cuidar da comida do marido, já que só voltava para casa à noitinha. A lida no roçado era muito dura, sem tempo para voltar na hora do almoço, levava a marmita, pois a distância percorrida para o roçado era de muitas léguas.

Já passava da hora de Gabriel se levantar, Edinha foi olhar se Gabriel continuava na cama – se pôs a pensar, esqueceu a hora ou amanheceu com dor nos quartos. Aliás, essa dor sempre o incomodava. Quando ainda era rapaz, seu pai, homem de muita valentia, dizia que não criava filho frouxo, e fez ele montar num cavalo arisco, que logo lhe jogara ao chão, por vez ou outra se queixava do machucado daquele dia.

Depois de cuidar dos bichos, Edinha voltou para espiar nas pontas dos pés e, pelo visto, Gabriel parecia não ter mudado da posição, se cobria da cabeça aos pés, sem nem deixar o nariz de fora.

Edinha em tom de voz baixa pergunta:

– Homi, não vai levantar, já tá tudo prontinho, é a dor nos quartos. – Mas ele ficou em silêncio, nem parecia que ali se encontrava.

Edinha voltou para cozinha, sentou-se à mesa e sozinha tomou seu café. Depois de algumas horas sem Gabriel dar sinal de vida, Edinha voltou a espiar, mesma posição de quando esteve a primeira vez à porta. Ela entrou e se sentou à beira da cama.

– Que foi homi, onde é que dói? – Em resposta, nenhum pio.

Do lado de fora na soleira da porta, a comadre Iracema se faz anunciar:

– Comadre Edinha!

Mas, de um salto, Gabriel se arvora em pânico:

– Mulher, diga pra comadre Iracema ir embora!

– Que agonia é essa, Gabriel? Ela é da casa, não posso dizer que vai embora assim sem motivo.

– Edinha, não vá atender a comadre. Grite daqui mesmo que vá embora e se recolha em casa por quarenta dias sem receber quem quer que seja. O mesmo deve fazer o compadre Rui.

Mas a mulher, sem entender bem os motivos do marido, insiste:

– Mas que alvoroço é esse, Gabriel? Que nem se pode receber ninguém! Tá ficando igual bicho do mato escondido na toca quando vê caçador.

– É isso mesmo, mulher. Chegou da China um tal de vírus mortal, igualzinho ao vento, tá em todo lugar e ninguém vê. Ontem no rádio deu que o melhor é ficar dentro de casa, não pode abraçar, não pode beijar, não pode cumprimentar e tem que usar uma tal de máscara cobrindo a boca e o nariz.

– Homi de Deus, você fica ouvindo essas coisas que fala no rádio e logo vai acreditando. Tu não tá vendo que Deus não vai permitir uma coisa dessas! Agora era só o que faltava! Um tal de vírus que ninguém vê e ainda por cima sai matando as pessoas. Homi, levanta dessa cama e vai trabalhar ou vai deixar o sol esturricar a plantação e os animais morrerem de fome. Morrer vai você se ficar aí definhado em cima dessa cama!

No findar daquele dia, ao longe se ouviam as badaladas do sino da igreja chamando atenção de Edinha.

– Gabriel, tu tá ouvindo? É o sino da igreja.

– O que tem demais o sino da igreja estar badalando? Hoje não é domingo e tocando a essa hora, só pode ser que morreu alguém.

Não demorou muito e a comadre Solange chega aos berros:

– Comadre Edinha, vem depressa que a comadre Iracema morreu!

– Morreu? Ela saiu daqui há pouco tempo.

– Ela veio procurar reza, amanheceu se queixando de quentura e dor no corpo, dizendo que era mau-olhado. Quando chegou em casa, já não podia mais respirar, fez até força no último suspiro.

Edinha, não pensou duas vezes, fechou portas e janelas e foi se deitar ao lado de Gabriel.

CASTRO ROSAS

Castro Rosas
Enviado por Castro Rosas em 16/09/2020
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