Arrancando as máscaras

                        Ser cronista é viver em voz alta.
                                             Manuel Bandeira

     1. "Coisas que o povo diz" . Este livro eu comprei em outubro de 1993. Há, portanto, 27 anos. Por acaso, entrei em um sebo de Salvador, localizado em uma rua do seu Centro Histórico e o descobri numa prateleira empoeirada e fedendo a mofo. Desprezado!
     2. Apoderei-me dele imediatamente. Pondo-o por debaixo do meu braço esquerdo, fui negociar sua compra com o dono do sebo que se dizia meu amigo e eu não sabia. Freguês do sebo, de fato, eu o conhecia desde meus tempos de Universidade; e de formado, em 1993, eu tinha 32 anos. 
     3. O Nelson, descobrindo o meu interesse pelo livro, aumentou o preço, fugindo da avaliação que eu colhera ao encontrá-lo na prateleira distante. Protestei. - Ô, meu caro, estás me desconhecendo? Seu velho freguês?
     E ele: - "Naaaada doutor. Este livro é do Luís da Câmara Cascudo. Por isso, ele é muito procurado, oscilando seu preço no mercado de livros enjeitados". Não levou em consideração eu tê-lo "ressuscitado".
     4. Prosseguindo no meu protesto, disse-lhe, sem tergiversar: Parceiro, conheço bem a obra do folclorista potiguar Câmara Cascudo. Dele eu tenho, por exemplo: "Viajando o sertão", "Histórias dos nossos gestos", e como bom cearense, "Jangada - Uma Pesquisa Etinológica", que me devolve à praia de Iracema e às velas do Mucuripe. 
     5. Para não alimentar a discussão em pleno sebo, paguei o valor pedido. E o fiz, aqui pra nós, sabendo que estava pagando um preço justo. Com efeito, aquele livro do Cascudo era uma raridade. Primeira edição - 1968, por Bloch Editores S.A.
     E o Nelson: - "Disponha, doutor."
     Despedi-me, fazendo-o sorrir, ao dizer para os fregueses que acabavam de chegar: Olha, pessoal, aqui, se bem pesquisar, a gente encontra,  até os originais do Alcorão.
     6. É isso. O bom dos sebos é a possibilidade que temos de encontrar, nas suas prateleiras, e até no chão, livros raros, rejeitados por seus donos, às vezes desatentos à sua importância.
     Uma vez, presenciei um autor renomado adquirindo, num sebo, o seu próprio livro, com a dedicatória que escrevera numa animada tarde de autógrafo, à qual compareci.
    7. E agora, como dizia Machado de Assis, "vamos ao que me põe a pena na mão", ou seja, ver o que disse Câmara Cascudo sobre o uso da máscara, na história antiga, e o que  seria seus reflexos no mundo de hoje. 
     8. Está no livro do Cascudo, em destaque, que a máscara, na velha Grécia e na antiga Roma, servia para esconder a verdadeira face dos atores, vivendo, nos palcos, seus respectivos papéis, "humorístico ou trágico". 
     9. E que a plateia, exigente, pedia que lhes fossem arrancada as máscaras, sempre que esses artistas não se exibissem a contento. E acrescenta Cascudo: ..."para que recebessem diretamente a demonstração do desagrado coletivo". 
     10. E conclui o renomado folclorista norte-riograndense: - "Já desapareceu, há duzentos anos (hoje é mais), o uso da máscara nos palcos, mas a frase (arranca a máscara), nascida de um milenar direito do auditório, continua sendo aplicada aos motivos inteiramente alheios ao teatro". Para o bom entendedor, meia palavra basta, diz o dito popular.
    11.  Bom será para o brasileiro quando, sem temores ou distinções, puder mandar "arrancar as máscaras"; como faziam os romanos e os gregos da antiguidade, com seus artistas, de péssimo desempenho nos palcos.
      12. Mandar "arrancar as máscaras", por exemplo, dos políticos que, de posse da coisa pública, traíram o povo.
     Tirar-lhes o disfarce para que recebam "diretamente a demonstração do desagrado coletivo"; como se fazia com os maus atores mascarados, na Roma eterna e na formosa Grécia.            
  
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 05/09/2020
Reeditado em 07/09/2020
Código do texto: T7055581
Classificação de conteúdo: seguro