A fotografia deve ganhar o mundo

Toda fotografia tem de ir aonde o povo está. “E só quando as publicamos é que lhe damos vida”. Esta assertiva foi proferida pelo artista-fotógrafo José Renato Leite numa palestra para os membros do Fotoclube Luz na Lente. Do ponto de vista poético a frase é perfeita. E linda!

Para Zé Renato, é assim que o chamamos no cotidiano, a fotografia só existe quando revelada ao público. E acrescentou: “enquanto estiver no computador é apenas uma imagem”. Este publicar a que ele se refere é revelar em papel ou na internet, dar vida à fotografia para que ela ganhe o mundo, seja louvada ou depreciada. Seja apresentada aos seus leitores para tornar-se grande ou diminuta. Passar as impressões dela, ouvir elogios ou censuras.

Quero defender que, embora ainda guardada no computador, a imagem já é uma fotografia, só que de alcance restrito. Ela tem apenas o autor como plateia. É uma fotografia tímida, sem muitas histórias para contar, vive num mundo reduzido tal qual a mocinha do interior que ainda não conheceu a cidade grande.

Toda fotografia tem uma história que é conhecida apenas pelo seu criador. Como toda arte, precisa respirar, precisa viajar, conhecer outras fronteiras e voltar com belas histórias para contar. Quando viaja, a fotografia cria alma, ganha título. Tem mais histórias para contar as fotografias premiadas esta semana dos membros do Fotoclube Luz Lente, Elaine Rodrigues, Jorge Diehl, José Roberto Bassul, Márcio Borsoi, Mariana Almada, Zuleika de Souza e Wanderley Rocha. As fotografias deles ganharam o Brasil, sendo algumas ovacionadas até na Rússia.

A fotografia guardada no computador é oprimida, apequenada, sem voz para dialogar com seus admiradores. Silenciada ao bel prazer do autor. A arte gosta de alçar voos, visitar o longe. Parafraseando o poeta Milton Nascimento, “Toda fotografia tem de ir aonde o povo está”.

Se Man Ray não tivesse publicado a foto Violin D’Ingres, 1924, denunciando a violência doméstica, não poderíamos apreciar tamanha sensibilidade e sutileza em abordar assunto tão cruel e violento.

Deixar a fotografia no computador é o mesmo que prender o animal numa gaiola no zoológico. Qualquer espécie merece ganhar o mundo. Seja uma cobra naja ou um pavão, cada qual tem sua beleza particular. Apreciemo-los!

Por que admiramos e aplaudimos grandes nomes da arte? Não é porque suas obras ficaram escondidas! Pelo contrário, é porque eles as colocaram para correr o mundo, expuseram suas obras às luzes da ribalta. A fotografia exposta traz uma mensagem, resta-nos interpretá-la. Os espectadores podem até não concordar com a mensagem dela no primeiro momento, ou até nunca. Como ela subiu no palco e deu o recado, ela existe, todos a vimos e nos manifestamos. Esta é a função da fotografia: vir conversar com seu público.

Enquanto está no computador ela existe, mas dialoga apenas com o seu criador e a com a escuridão dos chips, um contrassenso tendo em vista que a fotografia só existe na presença de luz. Ela precisa de plateia. É ela quem chama o público. Quando se agiganta, a situação inverte-se, ela torna-se maior que seu criador. Deixa de ser criatura para ser criadora. É pela grandeza de sua obra revelada que o artista resta imortal.

Deus criou o homem para multiplicar-se em bondade e beleza. Até na Constituição Federal brasileira, o anonimato é proibido. Deixe sua fotografia guardada e ela será pequena. Mas se o autor der a ela a opção de sair, ela será grande. A bela fotografia não admite lugar pequeno. O quintal dela é o mundo!

A fotografia guardada para os herdeiros corre o sério risco de sucumbir às chamas. Certa vez recebi no meu trabalho os herdeiros de um renomado fotógrafo candango que tentavam vender o acervo do pai. Pediam 600 mil reais pelos quase quarenta anos de fotografia histórica da capital. Contaram-me que certo museu da capital havia pedido o acervo em doação mas eles prefeririam queimar tudo a doar a quem quer que seja.

João Rios Mendes

Agosto/2020