HAVENDO PLATEIA, QUALQUER CANASTRÃO VIRA ESTRELA

Se queres uma explicação à qualidade dos frutos, não se detenha na folhagem da árvore; examine o solo onde ela está plantada.

Claudio Chaves

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EU NUNCA fui e jamais serei, nem nos meus mais gananciosos sonhos, uma referência de cristão, apesar de ser convictamente crente em Deus. Apesar dessa suspeição, já li o Livro Sagrado (na íntegra) algumas vezes e costumo revisitá-lo diariamente, especialmente a parte chamada Novo Testamento, que narra a vida e o ministério terreno de Jesus, bem como o surgimento da igreja cristã e a disseminação da nova fé pelo mundo.

A DESPEITO dessas “investigações” de rotina, ainda não me deparei com a parte em que Jesus se apresenta ou recomenda aos seus seguidores que O apresentem como opositor do Império Romano (ou de qualquer outro poder terreno), de algum grupo político, movimento cultural, ideológico ou até mesmo de alguma organização criminosa – e olha que em Sua época, na região em que viveu e em todo o Império Romano, o que não faltava (pelo contrário, sobrava) era exemplo de governantes e outros agentes públicos corruptos, leis tirânicas e injustas, falsos líderes eclesiásticos e todo tipo de perversão moral, tanto dentro dos muros dos palácios quanto das paredes dos templos.

TAMBÉM ainda não encontrei o registro escriturístico da parte em que o Mestre se filia ou se alia a qualquer dos diversos grupos políticos (fariseus, saduceus, herodianos, nazarenos, zelotes, iscariotes, macabeus...) para ajudar a combater seus rivais.

MESMO os leigos em Teologia Cristã, como eu, sabem que Jesus jamais se envolveu com qualquer controvérsia (por mais simples ou mais grave que fosse) de ordem secular. Sua única e exclusiva preocupação era com o que Ele chamou de “resgate dos perdidos” – e isso incluía qualquer ser humano, de qualquer crença, gênero, origem étnica, ideologia, idade, classe econômica e social, temperamento..., independentemente do seu passado, origem familiar, amizades, associações...

E QUANDO, maliciosa e interesseiramente, alguém tentava envolvê-lO em tais querelas, logo tratava de “enquadrar o sujeito” com máximas como: “(...) Dai a César o que é de César; e a Deus o que é de Deus” (Mateus 23: 21); “(...) Segue-me, e deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos” (Mateus 8: 22); ou: “(...) quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós?” (Lucas 12: 14).

O MAIS curioso no caso específico da convocação de Silas Malafaia aos seus fiéis para boicotarem a Natura é que 1) nem nos melhores cenários estatísticos previstos, seu grupo de seguidores é, como ele diz, maioria entre a cristandade brasileira, e 2) da mesma forma que o tão invocado conjunto de valores cristãos condena a trans, a homo, a bi a pansexualidade (quando opcionais), condena o tabagismo, o alcoolismo, o consumismo, a mentira, o charlatanismo, a demagogia, a hipocrisia, o racismo, os preconceitos... E mesmo os males (diretos e indiretos, em diversos aspectos) causados, por exemplo, pelo consumo de cigarro e de bebidas alcoólicas sendo, de longe, incomparavelmente superiores à “afronta” causada pela peça publicitária da Natura, jamais esse líder (que nunca perde uma chance de se promover, principalmente quando anda esquecido do público e preterido no meio político) convocou qualquer boicote a alguma marca ou a todas desses produtos, como nunca o fez em relação, por exemplo, às redes de cassinos, às organizações (criminosas) que escravizam sexualmente e traficam pessoas para a exploração sexual, etc. Por que somente os pecados da homo e da transexualidade o escandaliza tanto?

COINCIDÊNCIA ou não, ressalte-se que, além de “água do Rio Jordão”, “sabonete ungido”, “toalhinha milagrosa”, “chave do sucesso” e “feijão que combate o coronavirus”, há também em parte do “shopping milagroso evangélico” o “Perfume de Jesus”. Será que além das questões supostamente morais, a motivação para a convocação do boicote teria natureza (de natural mesmo, não de Natura) mercadológica?

NO ENTANTO, ele sabe que, a despeito de blefar quando fala de “maioria”, sozinho também ele não está. E, como às vezes gosto de mencionar, desde que haja plateia, qualquer canastrão vira estrela. Nenhuma árvore produz frutos se não tiver firmada em solo que lhe permita crescer. Enfim, se ele continua vendendo sandice e demagogia é porque há quem esteja disposto a comprar.