DE COMO O BRASIL GANHOU SUA CASA DE ORATES

Quando o amor não se faz presente, a insanidade pode se tornar atraente.

Claudio Chaves

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POR QUE o imponderável parece, muitas vezes e para tanta gente, tão naturalmente aceitável e atraente?

POR QUE mesmo depois dos faraós, dos déspotas europeus, imperadores romanos, Maniqueu, Hitler, Jim Jones, David Koresh e Marshall Applewhite, pra citar alguns, a humanidade ainda tanto se fascina por “Inris Cristos”, “Joãos de Deus” e outros mitos?

DE MODO semelhante, muitos se perguntam: como pode, no século XXI, milhões de brasileiros acreditarem e defenderem visceralmente pensamentos como: a Terra ser plana e fixa, vacina ser uma estratégia para exterminar determinada faixa etária e determinada classe econômica da população mundial, governantes enterrarem centenas de caixões vazios – mesmo diante de câmeras do mundo inteiro – e encomendarem máscaras e respiradores envenenados da China... tudo pra derrubar um governante e instaurar uma ditadura comunista, com apoio, inclusive, da ONU e da OMS? Como, quando e por que embarcamos nessa paranoia?

SE VOCÊ acha que nada disso faz sentido, então você entendeu, de tudo, o sentido. Explicando: quando nada faz sentido, qualquer coisa pode fazer sentido. Em outras palavras, quando nenhum parâmetro (regra, referência...) é confiável, qualquer um – ou quem for o eleito – pode se tornar a referência ou parâmetro a ser seguido; e esse é o sentido de nada parecer fazer sentido no Brasil atual.

NÃO é por acaso que, desde antes da campanha presidencial de 2018, através de vários mecanismos (programas supostamente jornalísticos televisivos, canais de internet, redes sociais, movimentos de rua...), iniciou-se um grande movimento de manipulação das massas (aquela parte que se permite ser manipulada), com uma finalidade única e bem definida: descredibilizar todas as instituições (Imprensa, partidos políticos, escolas, universidades, institutos de pesquisa, organizações científicas, igrejas, poderes da República, serviço público...) da sociedade e o próprio Estado, transferindo a responsabilidade de normatização da sociedade do âmbito institucional, fulcrado na burocracia oficial, para o âmbito pessoal, amparado na informalidade, na subjetividade, na superstição e na negação da realidade – uma distopia geral.

NESSE contexto de fragilização do institucional e fortalecimento do pessoal, e ascensão do dogma em detrimento da ciência, se torna absolutamente fácil impingir qualquer asneira no senso comum, uma vez que o certo e/ou o errado passa a depender não mais de leis (quer naturais quer sociais), mas de pessoas. Assim sendo, não precisamos mais da ciência para distinguir fato de suposição, nem da legislação para diferençar o lícito do criminoso – qualquer um (ou o escolhido) poderá fazer o juízo e determinar a sentença.

HÁ UM velho dito popular que afirma que “para quem está perdido, qualquer atalho é caminho”. E esse é o grande propósito de quem comanda o Brasil no momento: levar a massa a essa convicção, a essa sintonia coletiva: “Não há saída racional ou institucional; resta-nos apelar ao imponderável, ao imaterial, o transcendental e, ao insano, se necessário” ou, como já afirmara a ministra Pr.ª Damares Aves, “Não é a política que vai mudar esta nação, é a igreja”. Ou será que ela quis dizer “a igreja através da política (ou seja, o Estado Teocrático)”?

A ESSAS alturas, com o Brasil ameaçando chegar à assombrosa marca dos 100 mil mortos pela covid-19, a pergunta retórica é, como pode, num país em tal situação, milhões de pessoas demonstrarem verdadeiro fetiche por um líder que, mesmo diante de tamanho caos, confronta a ciência, boicota seu próprio governo e debocha da dor de dezenas de milhares de compatriotas? Como pode, diante de tantas escancaradas demonstrações de despreparo, incompetência, pequenez, desonestidade, trapaça e má fé, milhares e milhões que se dizem comprometidos única e exclusivamente com a verdade e o bem-estar da nação se mostrarem tão devotados a uma figura tão controversa?

O PRÓPRIO presidente atual do Brasil nunca negou – nem por palavras e nem por atos. Ser rejeitado sempre foi – e continua a ser – sua maior frustração. Ele já deixou mais do que claro que por um pouco de acolhida – não importando de onde venha (de figuras jamais ou minimamente prestigiadas nas Forças Armadas, de um ideólogo falastrão e achacador, de líderes religiosos desmoralizados, de políticos mercenários, de blogs levianos e criminosos, de meia dúzia de embusteiros ou de milicianos) – está disposto a pagar qualquer preço... qualquer coisa pra deixar de ser o “patinho feio da história”.

À GUISA de conclusão, ressalte-se que um dos fenômenos mais comuns na breve história da humanidade é a frustração e a desilusão com a nossa própria espécie arrebatar milhares de pessoas ao controle hipnótico de líderes que, embora estúpidos e autoritários, lhes ofereçam o que elas tanto procuraram e jamais conseguiram sentir: a sensação de pertencimento. “O humano é um ser sociável”, já diz o jargão das ciências humanas. Se há, são poucas as dores mais profundas e atormentadoras para um ser humano do que a da exclusão, da segregação, da solidão, do não-pertencer. Em outras palavras, quando o amor não se faz presente, a insanidade pode se tornar atraente.

NESSE particular, creio que os Paulos (tanto o de Tarso quanto o Freire) estejam com a razão: enquanto o segundo diz que “não se pode falar em educação sem amor”, o primeiro afirma que “se não tiver amor, nada se aproveitará.