O abraço do meu avó

Já faz quatro meses que me encontro em casa. Saí apenas para o essencial: fui ao médico e, pouquíssimas vezes, visitei meus avós. Poderia dizer que sinto falta de encontrar meus amigos, de socializar, de segurar a mão do meu namorado no cinema ou de frequentar aquele restaurante que tanto gosto junto da minha amiga mais querida. Poderia dizer que sinto falta de frequentar minha faculdade, de subir os degraus do prédio que, há tanto, sonhei adentrar ou do meu tão singelo espaço de trabalho, dos plantões que tanto me fazem conhecer o mundo ou, quem sabe, de cantarolar músicas pops nas caronas junto ao meu melhor amigo. Poderia falar sobre tudo que me faz falta… sobre os jogos do Atlético ou sobre as aulas de zumba com minha mãe mas minha saudade, minha mais sincera saudade, atende pelo carinhoso apelido de “vovô”.

Em minha casa, estão meus pais, junto dos seus abraços e palavras carinhosas. Fazemos todas as refeições juntos e, aos poucos, estamos aprendo a lidar uns com os outros, a nos respeitar cada vez mais. Meu namorado, às vezes, passa alguns dias aqui e nos transportamos para outra dimensão: de repente, não há vírus ou pandemia, somos nós dois, um sofá e um pacote de pipoca e o mundo parece tão bonito quanto seu sorriso. Meus amigos moram em meu celular: às vezes vejo seus rostos em chamadas de vídeo e, dia após dia, nos conhecemos um pouquinho mais. Confesso que a amizade pode crescer independente de qualquer distância: minha melhor amiga de quarentena, com quem divido meus medos e angústias, apareceu em minha vida há pouquíssimo tempo e, de repente, conquistou um lugar cativo em meu coração. Meu trabalho virtualizou-se. Tudo, agora, é feito pelo computador mas, ainda assim, consigo ver e falar com meus assistidos e continuo me entregando por inteira no ofício que espero exercer pelo o resto de minha vida.

Tudo é adaptável, menos o abraço de meu avô. Ontem, quando meu pai ligou para avisar minha chegada, ele rapidamente se animou: “Fernandinha está vindo?”. Prontamente, ele largou o telefone e avisou minha avó “Lys, Fernandinha está vindo!”, pude ouvir de longe através da ligação. Aquela singela alegria me valeu o dia: como eu queria poder visitá-lo, abraçá-lo, chegar pertinho dos seus olhos azuis e reconhecer toda a sua trajetória. Agora eu só o via de longe, com máscaras, sem sapatos e com o álcool em gel em mãos. Ele não entende muito bem o porquê, os motivos pelos quais já não o visito tanto e, quando crio coragem para ir, permaneço distante.

Ele adora café, diz que em sua casa, era hábito: 2 litros por dia, todos os dias. Hoje, ele já não toma tanto: 1 litro, ele diz. Já é uma tradição: sempre que vamos visitá-lo, meu pai prepara um café para tomarmos juntos. Ontem, entretanto, eu não tomei: não podia arriscar usar as xícaras de meus avós. Também não pude experimentar o bolo de cenoura que minha avó fizera ainda que ela quase nunca faça bolos. Ela disse estar preocupada: eu estava neurada demais e ela dizia não ver motivos para que eu não experimentasse o bolo. Não disse nada. Apenas desejei, sinceramente, que tudo passasse logo para que pudéssemos tomar um café. Não precisava de mais nada: nem de sair com amigos ou de ir no restaurante que tanto gosto: a mim, faltava-me apenas o abraço de meu avô.