Azul da cor do oceano

Quando cheguei à rua e olhei, com um vago temor, um sol extraordinariamente claro me bateu nos olhos, na cara, desceu pela minha camiseta preta, senti o calor aquecendo meus pés. Fiquei um instante parada, encostada à parede, olhando aquele movimento sem sentido, aquelas pessoas e veículos que se cruzavam; tive uma lembrança e uma sensação de dor de estômago. Logo depois entrei no elevador e voltei para minha casa.

Quando a perspectiva me assusta e adio o momento de escrever, meu vizinho parece sentir. Ele escuta música clássica e isso me anima a lançar um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Aqui são muitos vizinhos idosos, mais que isso, grande parte são desconhecidos por mim. Em tempos de pandemia, eles se escondem. Mas um ou outro circula pelo prédio em busca de uma novidade. Sempre vejo a dona Alzira na recepção, ela é uma senhora muito elegante, tambem é viúva do síndico anterior. Dona Alzira tem os olhos azuis, parecem o oceano. Cabelos brancos, feito neve. Suas mãos são delicadas e ela gosta de pintar. É uma artista nata, às vezes expõe suas artes dentro do quadro de avisos do elevador. Eu acho uma graça, me dá uma vontade de ligar para ela e elogiar essas preciosidades. Mas eu nunca o faço. Talvez por vergonha e por esquecimento. Afinal, que coragem essa senhora tem, não é mesmo? Eu gostaria de ser como a dona Alzira, expor o que escrevo. Fazer verdadeiramente o que amo sem me importar com os que as pessoas irão dizer. Sem me importar se a escrita será meu ganha pão. Esse medo já me trouxe muitas consequências : estudei Relações Internacionais com foco em Negócios. Hoje estudo Marketing, mas trabalho com isso. É quase uma exigência. Eu sei o que me encanta e isso vira simplesmente hobbie.

Um dia almejo escrever de verdade, me aperfeiçoar. Quem sabe acordar numa casa simples em Berlim, levar meus filhos para visitar o castelo de Heidelberg na Alemanha, será maravilhoso ver meus pequeninos admirando suas ruínas. Voltar para casa feliz da vida, escrever para quem for a minha parceira do futuro. Talvez trabalhar em uma grande editora na cidade e que tem uma sala minimalista para me inspirar a escrever. Só preciso mesmo de duas coisas : uma xícara de café e o retrato da minha família. Assim posso experimentar novos formatos, ousar nas palavras reprimidas, provocar assuntos com uma liberdade que no rosto das páginas, por uma questão de objetividade e parâmetros jornalísticos, não é possível. Quero usar a sabedoria para escrever, poesia ou crônica, tanto faz. Sabedoria de Rubem Alves, que tinha com a vida uma relação direta e simples. Sabe como ninguém identificar as coisas boas da vida. Usar da magia de Vinicius de Moraes, seus sonetos perfumados e iluminação poética para acariciar meus leitores.

Dessa minha mente, da minha forma de se viver, creio que só resta mesmo uma conclusão a que durante anos e anos me recusei por vergonha e medo - sou, por natureza uma escritora. Agora infeliz. Mas com muita vontade de me mudar e realizar os meus sonhos...

H Hevilyn
Enviado por H Hevilyn em 08/06/2020
Reeditado em 25/02/2023
Código do texto: T6971692
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