Outro dia falei que escrever pode ser perigoso. Grande verdade nisso, porque os riscos de quem escreve são muitos. Motivo pelo qual devemos glosar nossos textos com extremo cuidado: neles, o que não deve ser dito, deve ser excluído. Certas coisas, melhor não publicá-las.
        Há quase um mês tomei conhecimento de um texto da atriz Fernanda Torres. Numa coluna da Folha de São Paulo, ela fez duras críticas à política econômica do governo Bolsonaro. Se o propósito do artigo era esse, muito bem. Mas, o fato é que, de um jeito meio atrapalhado, a atriz confundiu alhos com bugalhos. E nisso, fez algumas ponderações inadequadas, expondo-se de uma forma, talvez inocente, às críticas ofensivas de muita gente.
      É fato que nesses tempos terríveis e medonhos, ninguém sequer pode falar o que pensa, quanto mais escrever. Coitada da atriz, porque em cima dela choveram textos e mais textos, todos eles cheios de ódio.
      No artigo que publicou, a uma certa altura ela escreve: "Torço para que o centro ressurja dessa emergência. E que o coronavírus, a exemplo da peste negra na Europa do século 14, abrevie o obscurantismo medieval travestido de liberal em que nos metemos." Mais adiante ela diz que espera que voltemos às ruas mais humanos e menos afeitos a fundamentalismos religiosos, políticos e econômicos. Não contente, ela vai mais além, expressando-se com um certo radicalismo: "Talvez esse vírus seja mesmo o recado de Deus. Deus natureza cansado do ódio, da ignorância, da irracionalidade, da brutalidade, da violência e da vileza dos mitos e profetas. Um Deus farto das trevas e ansioso por um Renascimento."
     De minha parte, não enxergo na pandemia do coronavírus nenhum recado dos Céus para os brasileiros. Fosse assim, a doença ficaria restrita somente ao nosso território. Mas, diante de tantos argumentos, quero lançar somente um questionamento:
    — Será mesmo que, depois do coronavírus, o povo brasileiro vai se tornar mais consciente?
    Acredito que não, porque nenhum vírus tem tanto poder assim, a ponto de transformar pessoas. O certo é que nem tudo acontece em vão, e depois das grandes tragédias, alguma lição sempre fica.
    Por enquanto, de tudo a gente escuta. Ali um padre já diz que o coronavírus é castigo de Deus. Mais adiante Edir Macedo diz que o vírus é coisa de Satanás. E há quem diga, até, que essa doença foi fabricada em laboratórios da China.
     Entretano, o que mais me espantou foi ver uma senhora dando graças a Deus por essa pandemia estar acontecendo. Pois, de acordo com as premonições dela, isso é sinal de que Jesus está bem perto de voltar.
    Se Jesus está perto de voltar, não sei dizer. Tudo que sei é que as pandemias fazem parte da história da humanidade. Porque já vem de séculos, de muito longe que milhões de pessoas morrem por causa de pestes e doenças infecciosas. É tanto que só no século 14 a peste negra, que também teve origem na China, matou aproximadamente vinte e cinco milhões de pessoas: um terço da população da Europa, na época.
    Portanto, nada do que estamos vendo é novidade. E nem tão pouco castigo de Deus. Porque pandemias como a do coronavírus têm ocorrências cíclicas e sistêmicas no mundo inteiro. Prova disso é que, nos últimos tempos, milhares de pessoas já morreram, vítimas de diversas doenças de grande poder mortífero, tais como: o cólera, varíola, ebola, gripe russa, gripe espanhola e a gripe suína, sem falar da Aids. Resta saber, porém, quando tudo isso vai ter fim.
JOTA SANTIAGO
Enviado por JOTA SANTIAGO em 15/05/2020
Código do texto: T6948050
Classificação de conteúdo: seguro