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Um desses que aparece na foto (1976) é meu amigo Geraldo Messias. Messias envergava mais de um metro e oitenta de valentia, trazidos de Capelinha, das Minas Gerais. Carregava tudo isso em seus humildes quarenta e cinco quilos de pura sabedoria.

Embora sendo um palito equilibrado, era paquerado pelas moças mais bonitas da cidade, talvez não por ser magro, mas por causa do gordo salário que todo mês, o Banco do Brasil lhe pagava.

Piau era exatamente o contrário, parrudo, um metro e sessenta da cabeça aos pés, sendo um metro de cabeça e o restante nos pés. Pé grande e cabeça chata, não tinha barriga, seu pequeno tronco era um barril de cachaça e cerveja. Recebia também um gordo salário e o investia quase todo em seu barrilzinho, depositando nele a água que passarim não bebe.

Naquele sábado, levantou-se cedo e foi às pressas ao “Cantinho do Fazendeiro”, não podia perder tempo. Tempo é ouro e logo o dia findava entre uma cerveja e outra, entre uma pinga e um tira-gosto.
Almoçar pra quê? O tempo voava nas asas do próprio tempo, um tempo que passa levando consigo a juventude dos moços e trazendo de volta uma velhice malandra, amarrotada de noites mal dormidas, mas bem aproveitadas.

Piau bebeu durante o dia todo e quando cuidou, o sol pendia, tocando as águas do São Francisco.

Era dezessete e quarenta.
 Se não andasse logo, perderia o pôr do sol, o maior espetáculo que o Astro-rei oferece aos ribeirinhos do Velho Chico. Ali, o Sol faz das águas seu melhor travesseiro e descansa em paz.
Não podia perder aquele pôr do sol. Todo pôr de sol é único, embora se repita de forma semelhante - nunca igual.
Lá vai Piau apressando o passo, cambaleando com sua bolsa pocheti na mão, pé aqui, pé acolá, em direção à "república" da Rua Silva Jardim, para descer em seguida a mesma rua, ao encontro do ocaso.
Aproximando-se da "república", vê Messias saindo do portão em seu fusca branco, novinho da silva. Piau grita. “Mi”, mas Messias, com os vidros fechados, curtindo Elvis Presley, não escuta e aponta o carro para a beira do rio.

Piau queria talvez uma carona, até a balaustrada, onde as moças, àquela hora, desciam pra ver os bancários no último pôr de sol da semana.

Para chamar à atenção de Messias, Piau, lança sua pocheti contra o motorista distraído, mas a bolsa fica presa no limpador de pára-brisas.

Messias percebe tratar-se de mais uma peripécia do Piau e desce a Silva Jardim levando a bolsa do bebum, recheada de dinheiro.

Piau, que em momentos solenes é chamado de Adalberto, entra na república, pega seu facão de um metro e meio trazido do Piauí, dentro de uma  mala do tipo "caixa de oropa" e vai ao encontro de Messias, no Cais do São Francisco, mas Messias não estava lá.

Mal o sol se pôs, Messias arrastou uma moça de classe social baixa, aquela namoradinha que a alta sociedade não pode saber que um bancário está namorando e, à luz do luar, amassava Melissa na penumbra da gruta de Nossa Senhora, escavada num morrico ao lado da Igreja.

Melissa tinha os peitos compridos e pontudos, como uma cabra de primeira cria. Tinha também o hábito de usar duas calcinhas, para dificultar a invasão de uma “cabeça sem juízo” à sua “moita de xiranha” não tão casta, mas, ainda virgem.

O escuro avança noite a dentro, e, enquanto as mãos amassavam os peitos da marrã, “maneco” se esfregava no ninho de João-Congo e já nos últimos ais, quando conseguia baixar uma calcinha, cuspia fora do caco, pois ainda tinha outra para ser retirada.

Já tarde da noite, a santa da gruta que presenciara tantas cenas cinematográficas, via-se livre dos visitantes que a deixavam em paz.

Messias, o fiel de toda missa do Domingo, e ao mesmo tempo, o sacripanta da gruta, afastou-se da escuridão do nicho, olhou a imagem da santa, palidamente iluminada por uma lâmpada de 15 velas, fez uma genuflexão e acenou:

"Boa- noite minha santa, não conte pra Jesus o que viu..Perdoe-me”.

Os namoradinhos desenlaçaram as mãos, a moça subiu a rampa sozinha, olhando para os lados, cuidando-se para não ser vista na rua àquela hora.
O Sacripanta fez o mesmo.
E, em seguida, entra no fusquinha e toma a direção do bar Peixe -Vivo.

Nessa jornada de uma noite curtida à luz do luar, vê Piau sentado na balaustrada do cais e resolve devolver-lhe bolsa.
Para. Desce do carro com a pocheti na mão e se dirige até  o Piau.

-Messias, onde você esteve? Marrom e Luizinho andam à sua procura desde cedo, para escondê-lo de mim. Olhe aqui o facão.

O cabo do facão estava oculto debaixo do sovaco e a ponta quase alcançando a bainha da calça.

— Olha só, peguei esse facão e falei que ia cortar sua cabeça e pendurá-la de frente à "república," os meninos, desde cedo procuram te avisar do perigo, se  encontrá-los não diga que me viu.

Recebeu a bolsa, acomodou novamente o facão nas axilas e entrou no Peixe - vivo para tomar mais uma antes de dormir.


***

NOTA DO AUTOR

1 - Caixa de oropa. Mala de cedro envernizado, muito utilizada em viagens por nordestinos.

2 - Ninho de João-Congo. (por analogia) Aquilo da mulher, por causa da semelhança com ninho de garrancho feito pelo pássaro joão-congo.
3- Xiranha:
 (No texto, o mesmo que moita triangular ou ninho de joão-congo) É o local no corpo da mulher, onde ficam os pelos pubianos feminino.  A palavra deriva-se de Xira (pasto) entre outros significados de Xira, aplica-se ao texto o correspondente a pasto.
4- 
Sacripanta. No texto, entenda-se  como falso beato. Mesmo sendo uma pessoa de bem e até dado a uma crença religiosa, Messis tem, como a maioria dos mortais seus momentos de deslises na fé, principalmente, como jovem. É até provável que o biografado, tenha -se tornado um anacoreta.(beato)

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PS
A crônica mostra  peripécias de Geraldo Messias com Melissa, mas na verdade, era o próprio Piau quem estava com a garota na Gruta.

Quando conheceu o texto, Messias confirmou o enredo. Ele também, vez por outra, arrastava uma cabrita para a penumbra daquela pequena gruta. 

 
Adalberto Lima
Enviado por Adalberto Lima em 12/02/2008
Reeditado em 19/02/2020