RACISMO REVERSO

Racismo reverso

Dandara não foi à balada do dia dos estudantes, mas a balada veio até ela a galope. E só não veio na mesma noite, porque o interior onde a avó morava não tinha acesso à internet, e, nos 70anos de Dona Lúcia, poderia não ter nenhum garoto interessante, mas tinha a avó mais carinhosa do mundo.

Na segunda-feira, ao chegar na escola, o bom dia foi “sem querer fazer fofoca, mas vou logo te contar, teu namorado ficou com Luciana do 3º ano B”. Fingindo naturalidade, Dandara respondeu “se ele prefere loira burra, o problema é dele!”. Essa frase foi repetida onze vezes só nas duas primeiras aulas.

No horário do recreio, Luciana foi ao encontro de Dandara e a acusou de racismo por chamá-la de loira burra, mais precisamente, racismo reverso, já que Dandara, além de nome de heroína negra, tinha também a cor, o cabelo e os traços do rosto. Três quartos da escola concordou que seria racismo e os demais defendiam com fervor que racismo reverso não existe.

Ciente da polêmica gerada, a professora de sociologia iniciou a aula posterior ao intervalo escrevendo a seguinte frase no quadro: “Racismo reverso existe?”.

Achismos de lado, dona Ashia norteou a conversa: “o racismo estrutura as relações sociais, hierarquiza econômica e socialmente a sociedade por raça. E quem é a raça que historicamente goza dos privilégios de estarem no padrão de beleza, de se virem representados nos conteúdos escolares, nos livros, nas novelas, filmes, passarelas? Quando uma mulher negra xinga uma Loira de burra, ela está sendo preconceituosa, mas não racista, pois esse xingamento não impedirá a mulher loira de ascender socialmente, de estar dentro do padrão, de acessar espaços de poder, de ter seu currículo aceito em detrimento do currículo da mulher negra, na maioria das vezes, apenas com a análise das fotos. Mas quando uma mulher loira chama uma mulher negra de "macaca", por exemplo, ela está trazendo aí um imaginário racista que historicamente vem desumanizando essa mulher negra, o racismo nega a essa mulher negra representatividades positivas na escola, na televisão e em diversos espaços. O racismo coloca a mulher negra na base da pirâmide social, recebendo os menores salários e liderando o ranking das violências sociais e domésticas.

Ao final da aula, Dandara desculpou-se com Luciana, pois esse local de preconceituosa, para ela que sempre sofreu com o racismo, também não lhe era confortável. E, afinal, seu (ex) namorado era quem tinha um compromisso de fidelidade com ela e não Luciana, que mal a conhecia. Seguiu para casa ciente de que os aprendizados alimentam, a dor passa e a fila anda.