Arte e ciência de subir escadas

Na impossibilidade de sair de casa e fazer as minhas atividades rotineiras, não demorou até que surgisse para mim o problema de como haveria de me exercitar durante o período de confinamento. A existência de tutoriais no YouTube em que se ensina uma série de exercícios para a pessoa fazer em casa não me animou de nenhuma maneira, uma vez que pessoas como eu precisam de movimento, não sendo nenhum atrativo se exercitar sem sair do lugar.

Em tempos saudáveis, eu costumo sair de bicicleta, mas a possibilidade de pedalar durante a pandemia foi rechaçada por vários especialistas, os quais listaram uma série de situações de risco para a transmissão do vírus ao ciclista, desde aquela poça que pode espirrar lama contaminada até o acidente que vai obrigar o ciclista a buscar atendimento em uma unidade de saúde e – lá sim – pegar o corona.

Que fazer então? Agarrei-me a algo que havia lido de passagem: subir escadas. Por sorte, eu moro em um prédio, um prédio com escadas que podiam perfeitamente ser subidas. São, em verdade, apenas três andares. Devo dizer que já tinha a experiência de subir pela escada 36 andares no prédio em que trabalho, quando o elevador de lá estragou. Não foi uma experiência das mais gratificantes, mas, para o meu corpo, subir ainda foi melhor do que descer os 36 andares. A descida havia sido descuidada, o que fez com que a minha panturrilha, vendo-se forçada em demasia, reclamasse doendo por vários dias. Já era uma bagagem que eu tinha para agora evitar que o mesmo me acontecesse ao me exercitar no prédio.

Comecei subindo duas vezes do térreo até o terceiro andar. São três lances de 15 degraus cada, ou seja, 45 degraus no total. Subi com calma e desci com todo o cuidado, pisando com os dois pés em cada degrau. No fim do dia não senti nenhuma dor em especial e concluí que podia me arriscar a subir mais degraus. No outro dia passei dos 100 degraus e nos dias seguinte fui aumentando, chegando a 200 e ainda mais. Tudo isso não levava mais do que uns 10 ou 15 minutos, lembrando que esses 10 minutos de escada já equivalem a meia hora de caminhada.

Naturalmente, eu sempre subi sem encostar nos corrimões, pois era bem possível que estivessem cheios de corona. Subia e descia sem encostar em coisa alguma e torcendo intimamente para que não aparecesse nenhuma viva alma no caminho, pois aí teríamos que passar um pelo outro e sabe-se lá se só isso já não bastaria para que eu fosse infectado. Por sorte, encontrei bem pouca gente, mas bate sempre um medinho quando estou no último andar e pode ser que o vizinho abra a porta e queira saber o que é que eu estou fazendo ali – é capaz de não acreditar nessa história de subir escadas para se exercitar.

Mantive a rotina por vários dias seguidos e então aconteceu uma coisa muito engraçada, que foi a de que eu comecei a gostar de subir escada e não querer parar mais. Assim que eu chegava ao térreo, que é onde moro, depois de subir e descer uns 300 degraus, eu pensava “ah, cabe mais uma subida”, e lá ia eu outra vez, escada acima. Acrescente-se a isso o fato de que eu comecei a subir nos outros blocos de apartamento do meu condomínio, pois estão todos com as portas abertas para o ar circular. Trata-se de 20 blocos e, modéstia à parte, devo dizer que subi as escadas de todos eles. Então eu tinha a rotina, mais ou menos igual, de subir escada, mas também tinha a variedade, ao ir de um prédio para o outro, além do estímulo de subir a cada dia um pouco mais.

Tudo isso certamente contribuiu para que eu me tornasse o primeiro viciado em subir escadas que se tem notícia. Até o momento, já consegui passar de 700 degraus em um único dia, o que é mais do que tinha feito ao subir os 36 andares do prédio em que trabalho, com a diferença de que dessa vez não houve reclamações da minha panturrilha ou outra parte do meu corpo. Na verdade, o meu corpo dá sinais de que está adorando, e não é prova de outra coisa o fato de que em pouco mais de 10 dias eu já havia perdido dois quilos – não é a minha intenção, mas esse dado é capaz até de melar o negócio das academias.

Ainda mais que eu tenho feito alarde dos meus resultados e pelo menos duas pessoas vieram me dizer que começaram a subir escadas graças aos meus comentários a respeito. Espera-se, é claro, que a subida de escadas não se torne tão popular a ponto de causar aglomerações nos corredores. Talvez seja necessário implementar algum tipo de rodízio, a critério do síndico do prédio. De toda forma, é algo rápido, mas intenso, que cumpre bem o papel de se exercitar durante o período em que se está em casa.

Escada é vida.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 26/04/2020
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