agora todo dia é domingo

Estou lendo um livro daqueles que nós,meros leitores, gostaríamos de ter escrito. É a língua portuguesa se entrelaçando com a língua do autor que se entrelaça com a minha e com a tua, espero. Não gosto de fragmentar muitos minhas leituras, depois de um tempo perde o sentido e a essência do momento, mas nesse caso era quase impossível não parar e respirar um pouquinho (ou chorar).

É uma prosa tão bem amarrada que consegui senti-la mesmo com o barulho infernal de música ruim ( leia-se música que não gosto), algo meio brega e meio jovem guarda. Mas eu também sei ser careta e gosto, só que não enquanto estou lendo um deleite em forma de retângulo amarelo. A fumaça que subia de uma churrasqueira elétrica também estava lá para me atrapalhar. Já não gosto da ideia de uma churrasqueira ser elétrica, veja lá num apartamento. Que não gosto também, me sinto presa. Presa e asfixiada pela fumaça. O bom é que a névoa faz os olhos lacrimejarem, as lágrimas involuntárias se confundiram com as da emoção que uma boa leitura traz. Um marasmo nostálgico total.

Acho engraçado como esqueço minhas ideias rapidamente. Às vezes penso em já escrevê-las, mas aí elas se perdem no papel e viram nada. Viram pó, viram rabiscos de um médico-poeta. Eu não sou, mas minhas mãos são disléxicas, é por isso que tudo sai tão desconexo e esquisito. Não faz sentido, acho que ilustrei automaticamente o que queria dizer. Taí, estranho!

Diante desse confinamento necessário, a cada dia, me vejo mais próxima de quem sou e do que acredito. E não fiz por querer, é natural. Dizem que não peguei num livro de matemática nessa quarentena. Pasmem! É verdade. Mas juro que estou lendo um de gramática. Também não estou preocupada com álgebra e química, não me atraem. A química em si é importante, física também, o que eu não entendo é todo esse afã em torno de bhaskara, fórmulas de prismas, logaritmo, teoria e teorema e fórmula e cálculo e professor nada didático. A gente foca na coisa errada.

Eu escrevo escutando música às vezes, muita tolice minha. Escrever ouvindo Chico César é como fazer aquela corridinha matinal ao lado de Usain Bolt. Falar de amor perto de Bob Marley, falar da Bahia perto de Caetano, se achar bonito perto de Jamie Foxx em Django Unchained, se achar gostosa perto de Salma Hayek em From Dusk till Dawn dançando ao som de After Dark... ela dança numa mesa com uma cobra enrolada no pescoço e derrama cerveja pela perna até cair na boca de um dos maiores diretores da história: Quentin Tarantino. Tem como não ser perfeito?

Não sei mais, me perdi. Não que eu já não estivesse perdida desde o início. Ler aquele livro me deixou mais avoada do que já sou, mais perplexa e com mais sede de coisas que nem sei o nome. Me pergunto se um dia vou sentir o que Victor, o autor, sentiu ao escrever. Não o Hugo, Victor Heringer. Um gênio da prosa e poesia e da língua e da fala e de tudo que pode (e deve) ser escrito. Morreu aos 29. O amor de um ser avulso é mais intenso no sentido triste e trágico da coisa, é mais o meu amor. Talvez.

O amor dos homens avulsos é o nome. Do livro também.