Os Cegos

Homens nas filas, alguns sérios, outros em algazarras comprando ingressos para uma partida de futebol.

Casais sorridentes, casais distraídos na fila do teatro, para assistirem a uma peça divertidíssima.

Nas filas, os cegos.

Tumulto nos supermercados e em lojas de departamentos em busca de mercadorias em promoções; atropelo nos shopping's; nas ruas, máquinas envenenadas envenenam a atmosfera.

Nas ruas, os cegos.

Machões babam sobre seios de silicones; nas boates desejam a strep e se embebedam.

Mulheres escolhem vestidos, calcinhas, sapatos, brincos e brincam de modelos, desfilam... Como se estivessem nas passarelas ou em novelas.

Homens e mulheres não se entendem sobre a novela, o bem e o mal; as notícias do jornal. Se compram um carro novo ou se fazem uma viagem internacional.

Garotos e garotas se acotovelam diante do hotel, para uma foto, um autógrafo, um aceno do novo ídolo pop, enquanto mascam chicletes e acessam a net em seus I pod's, not's.

Moçoilas e moçoilos se sacodem ao som da nova dupla sertaneja.

No show sertanejo universitário, cegueira coletiva.

O krack, o kréu, o oxi sem oxigênio assustam os cegos. E os crédulos almejam o céu.

O consumo e o suprassumo consomem os cegos.

Além de cegos, surdos, mudos nas garras do absurdo.

Obs.: Esta crônica foi escrita em 1975. Em 2013 a publiquei aqui no RL com algumas mudanças. Para minha surpresa ela teve quase 300 visualizações