Doença do século

As notícias não eram boas. Maria já não podia ir à feira ou à missa e passava muitas horas diante da tv. Com sessenta e oito anos e muito ativa, já havia esgotado por duas vezes os livros de Fernando Pessoa adquiridos há muito tempo e muitas crônicas de Rubem Braga. Nunca fora amante de crochê, tricô, fuxico e afins, preferindo muito mais uma ida à cafeteria ou ao teatro. Nada. Tal como criança posta de castigo pelos pais, não podia sair.

As notícias então continuavam ruins. O comércio fechado, a feira costumeira, a igreja, o museu. Era perigoso andar por aí e se expor. Nessa idade, a saúde já não é como na juventude e a hipertensão avisa que é preciso ter cautela. Maria comia biscoitos e chorava. Qual medo era maior? O da violência e dos assaltos de outrora ou o atualíssimo medo de perder o ar?

Ela cozinhava coisas leves porque a fome, havia ficado na rua. A boca, havia ficado seca. Não buscava mais os jornais na portaria. Já estava bem informada, maratonando telejornais e programas de entrevistas repletos de ausência.

Seu telefone não tocava. O distânciamento não era só físico. Quem dera. O isolamento físico apenas acentuou a força dos desencontros antigos, disfarçados em encontros obrigatórios ou da procura por pura necessidade. Cessou-se o toque do celular e as poucas mensagens de bom dia, as conversas curtas e os pedidos de favor também deixaram a cena, talvez com medo de adoecerem também.

A casa já estava limpa e não havia toque de campainha e nem companhia para o jogo de damas, mas é necessário para o bem estar mundial. As notícias permaneceram ruins e ela não as quis mais ver nem ouvir. Deitou-se em uma rede na varanda, lugar mais arejado da casa, olhou para o céu e suspirou.

Maria estava segura. Tomou uma maçã entre as mãos, porém não comeu. Tinha dores moderadas na garganta e no corpo. Desligou de vez o telefone e balaçou-se suavemente prendendo os cabelos desalinhados. Lembrou-se que poderia ir até à farmácia e comprar uns analgésicos, pois não havia muito movimento nas ruas do subúrbio, contudo, percebeu que não há remédio para o descontentamento e, sufocada e coberta apenas de desesperança, pôs-se a dormir.