Prende o velhinho!

Noutro dia resolvi subir o morro na minha caminhada diária, nesses tempos de quarentena, esperando o coronavírus. Espero que não. Toc-toc-toc! Bato na madeira.

Em vez de descer a lomba, subo. Sofro na ida, mas na volta venho na banguela. Nessas minhas caminhadas escolho locais com pouco movimento. Encontro poucas pessoas e as que vejo estão a mais de 5 metros de mim. Tenho quase 62 anos e tenho que me cuidar do vírus.

Temos a opção de caminhar no próprio condomínio. Descer o mato. Subir o mato. Fazendo isso umas duas ou três vezes dá para suar. A trilha é estreita e quando passamos um pelo outro nos esgueiramos pelo lado, para não ficar a menos de um metro e meio do vizinho, e não trocar fluídos que podem infectar. Cuidar também para não segurar e apoiar nos mesmos galhos e árvores, quando se desce as escadas de pedra, onde todos tocam, e podem deixar resquícios.

Ficar em casa de repouso tem-se a tendência de comer muito e não se exercitar. Portanto, fechar a boca e fazer exercícios é para o bem da saúde de todos. Sem contato, sempre longe uns dos outros. Chegando em casa trocar os calçados e lavar as roupas. É uma neura!

Aproveitei também e capinei, ou carpi, o pátio. Tenho que lhes dizer que fui colono, me achava um grande especialista em manejar a enxada. Mas aviso: o olho da enxada tem que ser oval. O Olho, é aquele local em que se coloca o cabo. Enxada sem cabo, é brabo né! Aqui na cidade vejo enxadas com cabos redondos. Isso não funciona bem. O cabo redondo fica girando na mão, não se tem força além de fazer calo. Aqui na cidade só vejo enxadas com cabo redondo. Talvez seja mais fácil fabricar. Eu, como sou da roça, tenho uma enxada de ferreiro. Legítima!

Com o tempo o vírus vai nos assuntando cada vez mais. Resolvi não mais sair a rua. Mas hoje me deu uma vontade de ir até a esquina e espiar o movimento. Me esgueirei pelo portão e fui me arrastando pela calçada. Cuidei para não cruzar com ninguém. Eu parecia um fugitivo. Um cachorrinho que foge. A rua virou local proibido. Que coisa!

De repente eu vejo uma viatura da polícia dobrando na esquina. Fiquei meio tremelico, confesso. Não estava preparado para isso. E se me prendem, pensei. Estava sem documentos, sem nada. Tenho mais de 60 anos. Quase 62 e o prefeito assinou um decreto proibindo idosos de andar na rua sem necessidades. Sem dinheiro como é que ia atochar que estava indo na farmácia ou no mercado, que não era o caso. A vacinação começa depois e amanhã. Sem desculpas.

Aliás, tudo isso está estranho. Querem prender os velhinhos, mas, ouvi dizer que vão soltar os presos condenados para não pegar a coronavírus?

Vá entender uma maluquice dessas! Eu heim!

Porto Alegre, 23 de março de 2020.

JORGE LUIZ BLEDOW – E-mail bledow@cpovo.net