O AMOR NOS TEMPOS DO COVID

Meninos, eu vi. Vi o que foi considerado o beijo mais erótico do cinema. Lembro perfeitamente: Burt Lancaster e Débora Kerr, seus corpos enlaçados na praia do Havaí, fundindo-se num beijo tórrido que nem as ondas revoltas do mar conseguiram interromper. Beijo de dois amantes no limite da paixão. Na época foi um escândalo, até por conta do adultério da protagonista.

E por que esta cena do filme A UM PASSO DA ETERNIDADE me veio à lembrança? A resposta é o beijo. Hoje proibido aos amantes no cinema e na vida real. Se um abraço e um aperto de mão podem ser perigosos, o beijo é quase sentença de morte. Cessa tudo o que a musa antiga canta porque um inimigo invisível se alevanta.

Na verdade, são tantas as questões levantadas de uma só vez por esse inimigo traiçoeiro, a exigir inúmeras táticas de defesa, que ainda não absorvemos completamente essa consequência radical: o beijo está praticamente proibido, inclusive para os casais que vivem sob o mesmo teto. Só o confinamento mútuo pode garantir o selo de qualidade a este gesto de carinho e amor. Qualquer um que saia de casa de manhã, poderá voltar com o inimigo à noite. Como saber, se ele é invisível e pegajoso? Como os médicos e enfermeiros que atenderam múltiplos pacientes no hospital poderão depois refazer a cena do filme, com tranquilidade, nos próprios lençóis?

E o beijo não admite subterfúgios. É tudo ou nada. É troca: toma lá dá cá. Se tem máscara no meio não é beijo. E sem ele o resto da viagem perde a graça, mesmo que se chegue ao destino.

Já pensou? Nos tempos atuais Romeu não beijaria Julieta, o Conde Vronsky não beijaria Anna Karenina e a volúvel Madame Bovary não conquistaria seus amantes.

Que graça teriam os filmes E o Vento Levou, Dr. Jivago e Girassóis da Rússia, sem os beijos ardentes de seus protagonistas? Um desastre!

Que seja breve, então, essa interdição do beijo. A vida sem ele perde muito a graça, e eu tenho mais passado que futuro. Como diz o título do filme, eu também já posso estar a um passo da eternidade. Mas tenho ainda um bom estoque de beijos para dar. Sem falar na esperança de ver de novo, com os olhos de ontem, Débora Kerr e Burt Lancaster eternizando na praia do Havaí o beijo mais emblemático da história do cinema, como se estivessem a um passo da felicidade.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 19/03/2020
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