COISAS DIFÍCEIS DE ENTENDER
         Não sou nenhum intelectual -- quem dera o fosse --, mas estou certo ao dizer que a língua portuguesa nunca foi patrimônio dos brasileiros. Ela nunca foi, e nunca será patrimônio do povo brasileiro — eis a mais pura verdade. Só que não devia ser assim. É tanto que José de Alencar já dizia: "A língua é a nacionalidade do pensamento, como a pátria é a nacionalidade do povo." Sendo assim, a língua deveria estar onde o povo estivesse — e não a uma distância enorme dele.
     Mas, se o idioma falado no Brasil não é do povo, de quem ele é? Respondo: ele é dos que se dizem letrados, dos gramáticos que inventam regras cada vez mais absurdas e complicadas. Tudo podia ser bem mais simples, mas não  — alguns boçais tornaram as coisas mais e mais ininteligíveis para o 'populacho'. É tanto que boa parte das regras gramaticais, inventadas por eles, estão atreladas ao português que se fala em Portugal, quando deviam estar atreladas ao português que se fala no Brasil. Se alguém duvida disso, tomemos como exemplo apenas um dos casos mais intrigantes da nossa gramática: a regência do verbo CHEGAR.
     Segundo os gramáticos e estudiosos da nossa língua, a regência do verbo 'chegar' se faz com a preposição 'a'. Assim, se alguém falar ou escrever "Quando cheguei em casa já era tarde", está errado. O correto seria escrever ou falar "Quando cheguei a casa já era tarde". Ora, tudo bem que lá em Portugal seja assim. Mas aqui, aqui nós estamos no Brasil. Se quem mora em Portugal chega 'a' algum lugar, por aqui a gente sempre chega 'em' algum lugar. E fim de papo.
    Por essas e outras é que o renomado escritor Lúcio Cardoso preferiu escrever "Cheguei em casa ainda sob o domínio dessas ideias", em sua obra "CRÔNICA DA CASA ASSASSINADA". E olha que o homem foi homenageado pela Academia Brasileira de Letras, que lhe conferiu, em 1966, o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra literária.
JOTA SANTIAGO
Enviado por JOTA SANTIAGO em 09/03/2020
Reeditado em 29/03/2020
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