Pertencimento

Sinto que alguns lugares moram em meu coração. O Lúcia Casasanta, meu colégio durante o ensino fundamental, a Vetusta, minha faculdade tão querida ou a DAJ, meu estágio que mais parece casa. A sensação de pertencimento é tão grande que parte de mim, dos meus sonhos e da minha história deixam meu corpo e habitam, eternamente, esses lugares-memórias que são tão meus. Pertenço, também, ao abraço do meu avô que, já idoso, me esperou durante uma vida inteira e, hoje, não quer mais deixar esse mundo antes da minha formatura, do meu casamento, da minha historia. Pertenço aos olhos de minha mãe que, tão bonita, me espera carinhosamente todas as manhãs para irmos juntas à aula de zumba. Pertenço ao amor de meu pai, meu melhor amigo, nos tantos jogos de futebol que assistimos juntos. Poderia poetizar sobre os meus pertencimentos: sobre como, já no primeiro encontro, tive a certeza de que aquele menino doce seria o meu futuro namorado ou sobre quando eu avistava minha faculdade do outro lado da rua, ainda adolescente, sonhando o dia que entraria por suas portas. Poderia escrever um texto inteiro e falaria sobre sonhos, sobre o futuro e sobre minhas amizades. São as tantas sensações de lar, entretanto, que nos alertam para os lugares que, por acaso ou poesia, não foram feitos pra nós.

Há alguns meses, decidi aceitar o convite que recebera e estagiar em um escritório de advocacia: por alguns segundos, meu futuro transformava-se e eu me revirava toda para acompanhar todas as mudanças que ocorriam em tão pouco tempo. Foi logo no segundo dia de trabalho que, sentada à mesa durante o almoço, vi que não cabia ali: eu, tão comunicativa, não consegui trocar uma palavra com aquelas advogadas, tão chiques, tão amedrontadoras. O encontro durava quase 2 horas e tudo que eu fora capaz de dizer resumiu-se ao meu enorme apreço por feijão, uma de minhas comidas preferidas. Elas falavam sobre viagens, criticavam o funcionalismo público, comentavam a alta do dólar e eu só pensava em como o feijão daquele restaurante caríssimo estava delicioso. Quando perguntada se estava bem, respondi com veemência: “estou ótima! O feijão está uma delícia”. Fui ignorada por todos da mesa que insistiam em conversar sobre como o clima dos Estados Unidos era tão diferente do nosso e continuam a contar sobre suas tantas experiências no exterior, bem longe do Brasil. Já caminhando de volta para o escritório, senti meu coração acelerar-se, gritando dentro de mim que ali não era meu lugar. Cheguei em minha mesa, um cubículo, que, de tão pequeno, pareceu esmagar todos os meus sonhos. O meu coração de criança era grande demais para aquele metro quadrado e eu, em menos de 24 horas, comuniquei aos chefes que não assinaria um contrato: voltaria para a DAJ que, carinhosamente, guardara minha vaga para que eu pudesse experimentar o escritório com segurança. Disse a eles a verdade: eu não cabia ali e em menos de 72 horas pude atestar com certeza que meu local era bem longe de aplicativos de cobrança de honorários e consultorias jurídicas caríssimas. Aquela mesa não era minha.

Voltei para a DAJ com a certeza de que ali era meu lugar e, todos os dias, agradeço a Deus por me apresentar uma vocação que eu jamais imaginaria carregar: a Defensoria Pública, agora, é parte dos meus sonhos mais sinceros de futuro. A vida acadêmica, entretanto, continua sendo o que faz meu coração bater mais forte e preciso escolher com qual professor irei seguir minha caminhada. Aos poucos, eu descobria os lugares que me cabiam, nesse mundo tão gigante e tão distante de nós. Sentir-se no local certo era um sentimento que, finalmente, começava a experimentar. Não sei se por obra do destino, dos meus anjos da guarda ou da criança que mora em meu coração mas, aos poucos, desfazia-me de quem era e começava a me delinear como sou.