uma historinha que vos conto

Creio que viagens sempre têm um gosto de Dramin e gasolina, do som tocando as músicas que uma vez baixei no meu pendrive vermelho, enquanto durmo e acordo com minha cabeça batendo no vidro da janela.

Vou olhando para os lados e me vendo numa cena melodramática de algum filme nacional que passaria no Arte 1 ou no Canal Brasil. Eu vou vendo a vida passar lentamente, posto que o carro esteja em alta velocidade. São umas 12 ou 14 horas de estrada, me sinto uma sertaneja com uma viola debaixo de um pé de alguma coisa, compondo uma moda antiga que Inezita Barroso certamente cantaria. Não vou cair na velha fórmula e dizer que ” ah, faço tudo isso por amor”. Aí você pode estar se perguntando: ” Oxe! E não é, não?”. É, leitor, é claro que é. Eu só não vou dizer, deixo assim ficar subentendido.

Quando vou chegando a Xique-xique, o coração já começa a ficar animado e vem, como de praxe, tudo outra vez. Na entrada de minha cidade existe uma Santa ( uma estátua, melhor dizendo), a padroeira. É uma construção que, assim, não é lá atrativa. Mas ela não é exatamente o foco. É que quando do carro já dá pra avistá-la, bate uma nostalgia profunda, pior que qualquer entorpecente é o efeito de vê-la. É uma emoção maior do que qualquer cristão teria, sinto em dizer.

Dobrando a esquina, pela janela do carro vejo meu avô sentado num tamborete de cabeça meio baixa, mas olhando mais de perto dá pra ver o sorriso meio de lado que ele abre. Desço do carro e nasço outra vez, não quis dizer que ”renasço”, é como se eu não existisse fora daqui. Sinto tudo que sentia de uma vez só, o calor insuportável faz parte. É, eu não vou romantizar os efeitos do aquecimento global, não é mesmo?

As pessoas gritando na rua, as motos, os cachorros, os bares e igrejas de cada esquina, Isabella me chamando de ”Tatá” desde que ela era pequenininha e não sabia falar meu nome, meu antigo colégio, meus antigos colegas, as pessoas com quem já fiquei ou gostaria, os movimentos que têm na rua e que eu vou depois de muita insistência, minha bisavó Júlia e sua casa que na verdade é o melhor lugar do mundo - como eu costumava dizer-, os papéis que acho no meu quarto e, quando vejo, são algumas ideias registradas. Escrevi uma poesia no dia 14/12/18 e transformei nisso aqui. É como se eu tivesse escrito há 3 anos ou há 3 minutos. A única coisa que muda é o grau da saudade.

- Uibaí, 2019.