Pé de Acerola

Poucas foram as vezes que dei o título para uma crônica antes de finalizá-la. Dessa vez o fiz pois já sei todo o desenrolar do que se passará daqui em diante. Um sentimento agradável paira em meu espírito nesta tarde nublada de São Paulo. Minutos atrás era tudo diferente.

Como um domingo qualquer, estava amuado no sofá da sala, pensando em nada. Olhava para a mesa no canto da sala, depois para o outro sofá, logo para a outra mesa. Eles estavam lá, imóveis, enfadonhos, e eu também igual a eles. Toda a casa afogada numa inércia fria, cinza e silenciosa.

De repente minha mãe, deitada no outro sofá, rompe o silêncio como quem estoura uma bolha. Ela se senta no sofá e sem me olhar diretamente fala, como se soubesse que eu estava ali, pronto para ser salvo daquele desalento angustiante:

- Vamos colher umas frutas no quintal?

Nunca tínhamos colhido frutas antes, apesar de existir há anos um pé de acerola no quintal. Sem pestanejar aceitei e saímos todos: eu, ela e uma ferramenta, uma espécie haste grande de ferro com uma ponta curvada como um cajado para puxar os galhos do pé de acerola e alcançar as deliciosas frutinhas. Chegamos lá e olhamos para a copa da árvore pensando no desafio que teríamos pela frente. Iniciamos a colheita.

O cinza tornou-se verde com bolinhas vermelhas. Com a astúcia de dois colhedores profissionais de acerola, embrenhamo-nos por entre a copa da árvore e, no meio das folhas e galhos carregados de acerola, arrancamos todas as frutinhas que conseguimos. Era viciante. A sensação era boa, tudo era leve e já não fazia mais frio. O estalido ingênuo, vivo e natural que ouvíamos quando a haste que ligava a fruta ao galho se rompia surtia em nós um efeito muito mais estimulante do que horas de terapia numa sala fechada com móveis enfadonhos.

E então, envolvido nesse momento genuinamente acidental da minha tarde de domingo, tive um devaneio - a essa altura com minhas mãos lotadas de frutinhas. Tinha sido minha vó. Sim, tinha sido ela. Minha vó, mesmo anos antes, tinha-nos dado meios para que aproveitássemos este momento, o neto e a filha dela. A minha vó, ela não está mais conosco, mas uma herança dela nos fez feliz hoje, uma herança que ela construiu junto com a natureza. O que ela fez e construiu ainda hoje vive, e vive intensamente, com folhas de um verde vibrante e frutos de um vermelho quente.

Obrigado mãe, obrigado vó, por me tirarem do torpor da minha tarde de domingo. Há um presente que mal percebíamos no nosso quintal. O presente é simples, mas significativo, o presente é um pé de acerola e, mais do que isso, o presente é o legado da minha vó, que ao partir deixou para quem fica a oportunidade de aproveitar um momento incrível.

Fizemos o suco, bebi enquanto escrevia. Estava delicioso.

Vovó, adorei o presente.