A JUSTIÇA NA BALANÇA

O “Maníaco do Anchieta” ganhou outro dia liberdade condicional depois de ficar preso por seis anos. Na década de 90 ele teria cometido pelo menos 16 abusos sexuais em Belo Horizonte, mas só foi condenado por um deles porque os demais prescreveram.

Só que a história é um pouco mais complicada. Antes dele, duas pessoas foram condenadas, equivocadamente, pelos mesmos crimes. Um porteiro pegou cinco anos e Eugênio, artista plástico, pegou dezessete, em regime fechado. Nesse período, além da honra, Eugênio perdeu a mãe, um filho e cinco irmãos. Sofreu maus tratos na cadeia. Saiu velho, desamparado e sem fonte de renda. Indenização nenhuma repara essa atrocidade.

A semelhança física com o verdadeiro abusador condicionou o reconhecimento de algumas vítimas, traumatizadas com o episódio. A “sede de justiça” dos investigadores, que teriam obtido confissão sob tortura, fez o resto.

Resumo: o criminoso mesmo pegou um terço da prisão do sósia. Ficou no lucro. Cometeu os abusos, certamente acompanhou pelo noticiário o processo e condenação de dois inocentes, riu da Justiça e depois passou uma curta temporada atrás das grades. Saiu ainda a tempo de ver a floração dos ipês na primavera.

Mas, como eu fico um pouco perturbado com essas notícias que desacreditam a instituição à qual dediquei grande parte da minha vida, e como estamos na semana da criança, vou atrás de novidades compatíveis com a data. E verifico que, por bom comportamento, Ana Carolina Jatobá, Elize Matsunaga e Suzane Von Richtofen ganharam o direito de sair da prisão temporariamente, para celebrarem o dia das crianças junto com a família.

Ora, todo mundo sabe que Jatobá foi condenada por matar a enteada, que era uma criança; Elize, por matar e esquartejar o marido, perdendo, com isso, a guarda da filha criança; e Suzane não tem criança nenhuma. Ela, aliás, já havia saído para o dia dos pais, assassinados por ela própria e outros comparsas, crime que motivou seu encarceramento.

Claro, tudo isso está previsto na lei, mas não é meio surreal? A pessoa destrói a família e depois ganha o direito de passar os dias no aconchego...da família. Nesses casos, como o cidadão comum pode assimilar, numa boa, os tais “saidões” que buscam a ressocialização do condenado? Não seria mais apropriado, nessas hipóteses, aglutinar todas as saídas numa só? No feriado de finados, por exemplo? É a ocasião mais propícia para se refletir sobre as consequências e a natureza do crime cometido. Só que, se o juiz fizer essa ginástica sem alteração da lei, será agora abuso de autoridade.

Bom, chega de perder meu tempo com os enigmas da Justiça. Quem vai sair agora sou eu. Eu também tenho direito a um “saidão” para abraçar meus netos e desejar que sejam eternamente felizes. É o melhor que tenho a fazer neste dia em que, se pudesse, eu voltaria a ser criança, época em que toda a ideia de amor e justiça tem a moldura dos braços maternos.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 12/10/2019
Reeditado em 12/10/2019
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