SOBRE O USO DA MESÓCLISE

Certa vez alguém disse, já não me lembro quem: "A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer." Ou seja, o importante é o que você tem pra dizer e não o emprego da linguagem em si. De nada adianta florear um texto se a mensagem não puder ser facilmente entendida. Mas, Jânio Quadros não pensava assim. Gostava de se expressar de forma difícil e rebuscada — rebuscada e tola. Quando questionado sobre o costume de beber exageradamente,

disparou:

— Bebo-o pois líquido é, se sólido fosse, comê-lo-ia.

E não bastasse tanto, o homem ainda escreveu um livro. Por isso, alguém, caçoando do tal livro, publicou um artigo onde constava uma frase que nunca foi pronunciada por ele: "Fi-lo porque qui-lo".

Mais tarde, o próprio Jânio Quadros negou que tivesse dito a frase. Porque o certo seria dizer "fi-lo porque o quis" — segundo declarou.

Por essas e outras é que Graciliano Ramos, quando criança, não entendia muito bem os conselhos do pai: "Fala pouco e bem: ter-te-ão por alguém". Meio confuso, ele perguntava para sua irmã:

— Mocinha, quem é Terteão?

O certo é que as mesóclises são coisas do passado. E exprimir-se através delas pode resultar em coisas desastrosas. De minha parte, já fiz essa besteira. Quando soube que Mariazinha ia casar-se, declarei tarde demais o que sentia por ela:

— Se soubesse que te amava tanto assim, ter-te-ia pedido em casamento.

Julguei que ela fosse desmanchar o noivado. Mariazinha, porém, encheu-se de raiva e ciúme. E só para me causar um desgosto maior, casou-se na semana seguinte. Mais tarde, muito arrependida, veio me procurar. E vendo-me tão triste e desolado, perguntou:

— Terte ia, mas no final te deixou sozinho. Não é verdade?

Mal levantei a cabeça, ela me fez outra pergunta:

— Quem é ela, eu conheço?

E eu, completamente despeitado, por ter visto a mulher que mais amei nessa vida casar-se com outro, respondi:

— Pois tu não sabes? — Ela é a esposa do Terteão.