OS BONS, OS MAUS E OS CIDADÃOS

Costumamos dizer que bons serão sempre bons e maus sempre maus.

Rico, se fica pobre, volta a enriquecer, mas pobre, se enriquece, empobrece novamente. Assim, vamos definindo, bestamente, muitas situações, como:

- patrão sempre está errado, e o empregado, sempre certo.

- Se tem grana é doutor, mas doutor, sem dinheiro, é mané.

- O bom vai para o céu, o mau para o inferno.

E eu pergunto: “Quem não é bom ou mau? A maioria? Vai pra onde? Purgatório?

Quem é bom, mesmo? Sempre bom? E nunca fez nada errado?

Todos erramos, e não adianta dizer que pecados menores são perdoados.

Não há meio pecado, meio erro, como não há meio buraco. Buraco é buraco!

Se você crê no pecado, seja ele qual for, leva-lo-á aos quintos dos infernos. Ou não?

Ninguém é totalmente bom, sem cometer deslizes, assim como o pior dos criminosos, tem, necessariamente, algo de bom no íntimo. Bobagem pensar que existam bons e maus. Todos somos mais ou menos, alguns melhores outros piores, mas todos meia boca, e só quando toda a sociedade melhorar, daqui a muitos milênios, é que poderemos ter a esperança de ver a humanidade, majoritariamente, formada por pessoas, efetivamente, boas.

O filme “Horizonte Perdido” mostra a vida em cidade isolada do Tibete, exaltando paz, serenidade, e um visitante pergunta a um monge se não há desonestidade ali. Ele diz que os moradores são moderadamente honestos e a autoridade local, moderadamente rígida, ficando tudo bem. Fantástica resposta! Somos todos impuros, menos ou mais, então se agirmos moderadamente, isso já será um lucro tremendo para o mundo.

Quando elegemos alguém, cremos que o eleito nos deve o cargo que ocupa de modo pessoal, e não cívico, e muitos vão atrás do eleito para conseguir emprego, apadrinhamento, recomendação e outros privilégios. Sempre estamos prontos a apontar o dedo e dizer quem não presta, mas não nos vemos corruptos ou corruptores ao pedir favores.

Quantos frequentam faculdades, não por vocação ou ideal, mas visando profissão que lhes dê status e dim dim? Formam-se e buscam concursos, para terem estabilidade funcional e poderem relaxar, sem precisar batalhar o pão de cada dia. Alguns preferem tentar se eleger, pois o ápice do comodismo social está num cargo eletivo, em nosso bagunçado país.

Por que um político ou magistrado tem de ganhar trinta ou mais vezes que um cidadão comum? Simplesmente, porque temos uma visão maniqueísta da vida, e acreditamos que eles são pessoas especiais. Pateticamente, eles também acreditam nisso.

E nós, o povo, bestamente, acreditamos no que dizem jornais, TV e palanques.

O partido político no poder, automaticamente, torna-se a imagem do mal.

A oposição o combate e promete carradas de coisas ótimas, posando de exemplar.

Não há, porém, milagre que faça a situação passar de ruim a boa, rapidamente.

Qualquer outro que assuma, dificilmente vai conseguir êxito em pouco tempo. Por mais que acerte, vai demorar a por tudo em ordem, e, pode crer, vai errar, e não deve errar pouco.

Várias pessoas pobres, iletradas, e, aparentemente, humildes, vi serem alçadas a cargos eletivos. Infelizmente, nenhuma, que eu tenha notícia, continuou pobre e humilde, embora a maioria tenha continuado iletrada, porque buscar conhecimento ninguém quer, mas riqueza, mordomia, fama, poder, isso sim. Quase todos esses eleitos, “arrumaram-se” e se tornaram arrogantes, passando a crer que eram especiais, formadores de opinião, influentes, líderes.

Mas existem, sim, pessoas especiais. São os que trabalham e suam a camisola, varrem, lavam, recolhem lixo, cavam, consertam, ensinam, ralam em muitos escritórios, construções, matas, plantações e outros tantos lugares. Esses não se sentem especiais, embora sejam. Quando pessoas como essas tiverem os mesmos direitos de quem se acha especial (e não é), e puderem viver adequadamente (como nunca viveram), talvez se possa esperar que os “cabeças ruins” autoritários deixem de existir e usar o poder contra o povo.

Numa sociedade justa, cargos e nomes significarão bem pouco, porque todos saberão estar interagindo com um próximo, seu igual, que o respeita, da mesma forma como deve e merece ser respeitado. Não por título, oratória, riqueza, mas somente por sua dignidade e correção, civismo, desapego à fama e idolatria, e, principalmente, humildade.

Quem merece ser respeitado? O bom cidadão! O resto é, desprezivelmente, o resto.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 07/09/2019
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