HÁ SEMPRE UMA CHARRETE EM MEU CAMINHO

Neste mundo de tantas modernidades, sou ainda um quase raro exemplar de matuto assumido.
Não vou negar o "meu gostinho" por certas facilidades e comodismos destes nossos tempos, sem os quais , reconheço, ficaria fora da casinha.
Mas, nesta safra em que a inspiração anda meio que conspirando contra, e o meu desejo é postar alguma coisa por aqui, peguei-me atinando cá com meus botões sobre as charretes que cruzaram meu caminho.
Como disponho de alguns registros fotográficos, ilustrarei estas minhas divagações:
Esta era a charrete que percorria as ruas de meu bairro antes do raiar do dia.

Fecho os olhos e consigo ouvir o trote do animal, assinalando o compasso nas batidas da ferradura.
Deixava-se um saco, ou uma sacola, pendurados
ao portão e o pão fresquinho era depositado ali,na quantidade pré estabelecida com a dona da casa.O pagamento só ocorria mais tarde,quando de seu retorno já com sol alto.
Café com pão quentinho e a charrete de tia Flora já estava arrumada, prontinha para seguir caminho.
[ Infelizmente, desta não tenho registros ]

Era eu, seu fiel acompanhante. Tomávamos o rumo de Engenheiro Gutierrez onde titia apanhava insumos para seus animais e fechava alguns negócios com um famoso açougue que lá existia.
No retorno, era aduladamente agraciado com bolachas de mel e refresco de groselha no bar de dona Tecla, amiga de titia.
Enquanto as duas punham a conversa em dia, postado na soleira da  porta eu acompanhava o intenso movimento de trens de passageiros na estação que ficava a pouca distância, logo abaixo do bodegão de dona Tecla.
Tudo tão singelo, lembranças ingenuas que me fazem sentir o gosto das bolachas e refrigerantes a cada vez que ainda cruzo por aquele espaço que retém algumas reminiscências de então:Como : o moínho, o casarão de dona Tecla, a velha escadaria que dava para a estação,enfim...



Há pouco tempo atrás, num domingo frio de outono, em minhas andanças deparei-me com este senhor e sua charrete.

Feito personagem de algum romance, ele percorria lentamente as ruas desertas da poética "Gutierrez" , trecho de minhas costumeiras andanças.
Entabulamos uma conversa, que se foi alongando, e permitidas as fotos, registrei em meus clics.
Um domingo a mais em meu caminho.

Agora é primavera em "Riozinho", outro bairro cheio de histórias, por onde igualmente percorro sempre que posso.
A imagem não poderia ser melhor !
Indaguei-lhe sobre a possiilidade de fotografa-lo e a resposta foi meio em tom de desdém:
"Se achar de seu gosto...Manda ver.Eu "nem" me importo"
[ Palavras proferidas acompanhadas de um ligeiro "dar de ombros"]
Então naquela tarde azulada, cheirando a cinamomos, registrei alguns passos do homem da charrete vermelha.

Entranhado na mata, no campus universitário de Irati, um sabiá desabotoava no bico a poesia de setembro e as janelas do centenário casarão da esquina, eram olhos absortos na pureza da paisagem.


Diante disso, só tenho a afirmar:
Houve , há e haverá para sempre, uma charrete em meu caminho.
Até  parece uma sina !