TOLOS ESPECIALISTAS
Tornamo-nos especialistas!
Parecerá ao leitor menos atento que louvo o aprimoramento das ciências e atividades outras da humanidade atual, mas minha abordagem segue em outra direção.
Se levarmos em conta que na antiguidade tínhamos estudiosos, versados em variadas ciências, que, inclusive, determinaram caminhos a serem seguidos por pesquisadores que lhes sucederam os passos, em análises, experiências e considerações, somos forçados a tentar entender por que chegamos a um ponto em que um profissional se especializa a tal ponto, que chega a ignorar ou desprezar o conhecimento de área correlata, e nem tem noção de outras áreas de estudo, além da sua. Se, eventualmente, conhece algo, faz-se de desentendido.
Tenho visto médicos, que estreitam a tal ponto sua atuação, que soa absurda a coisa.
Há otorrinos especializados em garganta, que não tratam narizes ou ouvidos.
Há ortopedistas que tratam só mãos ou pés. Conheci um especializado em dedos.
Isso não se limita à área médica, mas abrange todo tipo de conhecimento e atividades profissionais várias.
Lembram-se do tempo em que mecânico automobilístico era o faz tudo em um carro?
Depois se desmembrou o serviço em funilaria, elétrica e mecânica.
Hoje existe uma parafernália de especialidades, que costumam se contrapor.
Como um especialista não sabe, não quer saber e tem raiva de quem sabe sobre a outra área complementar e próxima daquela em que atua, é comum fazer um serviço ou tratamento, que prejudicará o cliente/paciente, de alguma outra forma, criando, assim, um círculo vicioso.
Agora transportem, mentalmente, essa mesma situação, para a área científica, para os estudos filosóficos, para o ensino, para as agremiações ideológicas, para as religiões, e, enfim, para todas as iniciativas e atividades que resultem dessas origens teóricas, e teremos pessoas refratárias ao ecletismo, ao universalismo, a reflexões amplas, e entranhadas em margens bem estreitas de raciocínio, que defenderão como se fossem a única opção válida.
Quando limpamos nossa casa e jogamos o lixo na rua ou no terreno vizinho, quando não temos receio de tirar vantagem de alguém, quando tentamos impor nosso modo de enxergar o mundo, quando somos agressivos e zombeteiros, quando temos dúvidas no íntimo, mas as escondemos, ao mesmo tempo em que vomitamos certezas, mesmo que nossas entranhas físicas e mentais não estejam pacificadas e serenas, estamos aceitando e fortalecendo toda a estrutura particionada em que se esfacelou a civilização.
É claro que muitos defensores dessa realidade presente afirmam que chegamos a tal ponto de conhecimento, que se não dividíssemos e especializássemos quase tudo, ficaria bem difícil estudar ou trabalhar. Não sou extremista ao ponto de desconsiderar tal assertiva, porém, é preciso rever nossa situação, que privilegia o lucro, a facilidade, o comodismo, corporações financiadoras, massificação, populismo e outras aberrações sociais, apenas convenientes.
O que preconizo é a moderação compreensiva em tudo que envolve a civilização.
Mais objetividade, maior interação, maior interesse mútuo, maior compreensão de tudo que é adverso, mais gentileza, maior valorização do que é intangível, em detrimento de ícones materiais de consumo, maior direcionamento dos investimentos no equilíbrio e saneamento da sociedade mundial, em detrimento de novas fronteiras científicas, que podem esperar um tanto mais, enquanto nossos iguais se tornam, efetivamente, iguais, em oportunidades e realizações.
A setorização de conhecimento e atividades criou guetos, em nosso planeta, que exibem absurdos. Teocracias muçulmanas, regimes fechados, ditaduras, que condenam qualquer tipo de liberdade (chamada de libertinagem), proíbem seus cidadãos até de ver o que se passa fora de seus países, enquanto seus líderes usufruem, tranquilamente, dos beneplácitos possíveis, e não veem nenhum disparate nisso. Investem, inclusive, seus bens, nesses “odiados” lugares.
Precisamos de consenso, mas só temos disputas e contendas fratricidas.
A cada dia vejo mais pessoas defendendo pontos de vista e projetando violência, e isso vem de todos os lados, de todas as ideologias. Não há quem se salve nesse furor tempestuoso e impositivo. Acusações mútuas e nenhuma vontade de ceder ou tentar entender.
A natureza nos faz sentir dor para evacuar, urinar, comer, tratar o corpo. Precisamos de tutela para sobreviver. Não sabemos, ainda, tocar a vida por conta própria.
Somos tolos especialistas, orgulhosos de nossa tosca capacidade de raciocínio.