LIVRO - ALIMENTO DA ALMA

Alfarrábios, tabuinhas de argila, papiros encadeados com anéis de ouro, inscrições rupestres, pergaminhos em tubos de cobre, pranchinhas de madeira pirografadas, lascas de rochas com inscrições cuneiformes ou outras, são alguns exemplos icônicos de tentativas, bem sucedidas ou não, de disseminação ou preservação de mensagens, tramas, epopeias, crônicas e diversos outros textos, ao longo da história (ou pré-história) mundial. A bíblia contém a narração das pedras, gravadas a fogo por Deus, com mandamentos entregues a Moisés.

Desde os anos posteriores ao advento da impressão, por obra de Gutenberg, e mais especificamente, desde os anos iniciais do Renascimento, o livro tem sido enaltecido de várias maneiras. Mesmo nestes tempos em que vivemos, constantemente plugados com notícias sobre preservação da natureza e economia ou eliminação do papel, ainda é o livro impresso que atrai o leitor contumaz, que não costuma ver com bons olhos um texto qualquer em tela, e só faz uso deste recurso quando não há alternativa.

Sejamos leitores à moda antiga ou apreciadores da tecnologia literária, o fato primordial é que o livro ainda é o veículo principal para alimentar a alma sedenta de conhecimento.

Como qualquer alimento, o livro é diverso quanto ao conteúdo e outras particularidades. Podemos falar de formato, capa, arte pictórica, diagramação, divisão, fonte e uma quantidade de detalhes estruturais, que definem qualidade e confiabilidade do que exibem as páginas. O conteúdo, todavia, é o fulcro, a via principal que o leitor trilhará, comodamente ou não, satisfeito ou não, fácil ou dificilmente, de acordo com o que está ali disposto, tecnicamente, para encaminhá-lo às mensagens, ao desenrolar de tramas, apregoações lúdicas, filosóficas ou ambas, às indicações técnicas, às informações variadas, às instruções e aprimoramentos específicos, aos sonhos e ideais dos autores.

Como qualquer outro alimento, pode ser nutritivo e saudável, ativando muitas sinapses, aumentando nossa sensibilidade, calibrando nossa percepção, permitindo-nos mais e melhores escolhas, gerando condições para que corpo e mente convivam em harmonia, estendendo tal condição à interação com outros corpos e mentes. Porém, existe a possibilidade de ele ser um “trash food”, um alimento nocivo, que pode provocar surtos e envolvimentos desagregadores. Como muitos maus alimentos físicos desse naipe, é comum que sejam atraentes, apetitosos, aparentemente saudáveis, com argumentos, indícios sedutores, presumivelmente, confiáveis, apoiados em pesquisas, fontes famosas, defendidos por conceituados acadêmicos, de maneira irrepreensível e acima de qualquer suspeita. Mas, permanecem nocivos e destruidores.

Como é possível diferenciar esse tipo de alimento, quanto à sua natureza e ação?

Embora existam pontos em comum quanto ao alimento físico e o literário, vamos deitar nosso foco sobre este último, objeto central desta nossa conversa.

Qualquer leitura de viés positivo, não precisará, necessariamente, levar o leitor a clima prazeroso, alegrá-lo, emocioná-lo, pois pode desenvolver assunto sério, triste, dramático, introspectivo, mas jamais prejudicará sua saúde mental, sua livre expressão própria, seu livre arbítrio, através de cooptação ideológica, fomentação comportamental, sutis insinuações, falseamento histórico, interpretações grupais ou pessoais, doutrinações, forjando idolatria, sectarismo e demais vertentes de coletivização mental, que comprometam a iniciativa pessoal autônoma, independência de critério e busca de caminho intelectual, livre de toda e qualquer amarra, regramento ou tutela, que não seja tão somente a ética universal.

Vivemos um momento existencial em que hedonismo e epicurismo se projetam de forma exacerbada e constante no cotidiano social, em todas as ocupações, atividades, segmentos, na alimentação, na busca do lazer ou prazer e na concepção, acadêmica ou coloquial, do extrato filosófico que deve servir de guia essencial na vida. Por conta disso, e cada vez mais, somos levados a comer muito e o que não faz bem, a buscar prazer e lassidão, evitando qualquer trabalho, lutar ao invés de asserenar o ânimo, entre muitas outras aberrações. Isso é um claro sinal de que nosso alimento, físico e espiritual, compromete nosso equilíbrio, e torna nosso meio hostil, instável, precário e vazio. Não há satisfação em viver dessa maneira.

Ler é imprescindível! Cuide, porém, do alimento que entra em seu corpo e sua alma, e nunca abra mão de pensar por si. O que outros pensaram ou pensam pode ser interessante, e deve ser conhecido, mas por melhor que lhe pareça o conteúdo, analise, reflita, evite seguir a corrente, evite concordar, e use as ferramentas que Deus lhe deu: raciocínio e percepção.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 24/08/2019
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