A vila e a saudade

Éramos uma grande família, vivíamos numa unidade que ninguém que vivia fora da vila conseguia entender, mas a terra costuma girar. Num descuido nosso, tudo começa a perder o sentido e cada vida segue um rumo.

Alguns diálogos vazios, cumprimentos, olhares. É São João. Fogueiras a queimar nas ruas, tradições perdidas nós sem sabermos ao certo o real sentido de ser. Sempre encontrávamos uns nos outros o apoio necessário para que nada fosse de um todo ruim, mas as coisas começaram a mudar.

A primeira moradora da vila, inesperadamente, é dissolvida no vento. Os gritos que ela sempre nos deu, a força que tinha para encarar os problemas da vida, os conselhos, era a minha avó que partia. Dormiu o sonho eterno e a vila começou a perder o sentido. Seguimos.

Não havia gritos, "reclamações", ahh, saudade. Como maltratas os moradores da vila. Em outrora, nós, os jovens, não tínhamos tempo para nos preocuparmos com problemas nossos, tudo era simples, não se havia preocupações, nem medo de que a vila acabasse, mas quando um morador parte dessa forma, sem que a gente queira as coisas mudam.

Alguns anos depois de minha avó, o vizinho da frente dorme o sono eterno, o silêncio vai incomodando e nós vamos nos perdendo do que somos. Não há os gritos da minha avó, nem as brincadeiras de uma moradora com esse vizinho da frente. Silêncio. É São João.

Posto a cama, ouço os barulhos dos fogos, as fumaças das fogueiras a entrar pela janela do meu quarto e o barulho das crianças a jogarem dominó enquanto o tempo ameaça chover. Há silêncio dos que se foram, nós, a geração que cresceu por aqui, estranhamos tudo. Enquanto há gritos e barulhos de fogos, ouvimos o silêncio dos que se foram e nós, ainda que não queiramos, ficamos... Ficamos à espera de tempos melhores, tentamos recuperar as lembranças, mas é São João. As fogueiras acesas e nós, os antigos moradores, estampamos o sorriso, na esperança de ouvirmos o timbre dos que se foram, não ouviremos.

É São João, e tudo o que temos agora é saudade da vila que, apesar de não aceitarmos, não existe mais...

Gilson Azevedo
Enviado por Gilson Azevedo em 23/06/2019
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