INVENTÁRIO AFETIVO

As luzes do amor começam a despontar no coração dos seres humanos. Por vezes, precocemente.

Tinha eu sete anos e fazia aulas de reforço com a professora Beatriz. Eventualmente, ela dava aula em grupo e nessas jornadas conheci Vera, uma garota de óculos e cabelos compridos, e algo bateu mais forte dentro do peito.

O amor tinha se revelado, como uma epifania. E desde então comecei a admirar a menina, devotando a ela meus pensamentos mais intensos.

Lembro-me, que na época, uma canção era um hit no rádio e dizia: "Oh! Vera, minha namorada/Oh! Verinha sendo namorada minha". Elegi como minha canção de amor.

Claro que tudo isso sucedeu-se num tom contemplativo. Aqueles tempos eram de repressão. Não me aproximava muito. No entanto, ansiava pelo dia das próximas aulas. Infelizmente, quis o destino que nunca mais a visse.

E assim seguiu-se na adolescência. Na escola, a cada ano, escolhia as garotas para meu repertório de paixões, mas ficava só nisso. Eventualmente, evocava o nome de alguma delas em minhas atividades solitárias.

Também, no clube de bairro, ensaiava minhas conquistas. Olhava as meninas bonitas, convidava-as para dançar e recebia, invariavelmente, um não. Categórico.

Mais tarde, percebi que elas tinham sido preparadas para um relacionamento mais próspero, com algum playboy da cidade, de nome mais importante. Eu não fazia parte deste time de all-stars.

Frustrações à parte, comecei a trabalhar e os relacionamentos, agora, mais concretos aconteciam com as colegas de emprego.

Timidamente, me aproximava e convidava a moça para um café. Depois de muitos cafés, a sugestão da saída noturna. E aí o relacionamento engrenava e nas manhãs nubladas acordava feliz e ia trabalhar com o coração batendo num compasso mais acelerado.

Hoje, na maturidade, a chama do amor, ainda, permanece acesa. E ilumina minhas madrugadas insones e os dias solares na praia. Uma energia boa que afasta, um tanto, a escuridão de nossos tempos.

Como disse o poeta: a vida é a arte do encontro. E como ansiamos por estes encontros. Mesmo com a vida insípida, com os desmandos oficiais, com o salário parcelado, esta energia sobrevive.

Pulsa em mim, intensa, neste momento.

Ricardo Mainieri
Enviado por Ricardo Mainieri em 12/06/2019
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