ARTISTAS E ARTEIROS

Um parente meu, que já se foi deste mundo, e que vivia de um jeito que nunca consegui viver, ou seja, despreocupadamente, curtindo e deixando tudo se ajeitar como desse, numa determinada ocasião apareceu em casa, dizendo ter composto uma canção. Como era algo alheio ao seu jeito de ser, não houve quem não quisesse ouvir sua trova, e ele não se fez de rogado, cantarolando suas frases musicais para quem esticasse os ouvidos.

Quem ainda não ouviu ou não soube de composições de amor adolescentes?

Das dezenas de milhões produzidas, quantas são, realmente, bonitas ou bem feitas?

A dele era bem simples, em letra e melodia, sem brilho ou apelo agradável. Porém, não houve quem não elogiasse bastante, e por um bom tempo continuaram comentando sobre sua produção musical (primeira e única), solicitando que repetisse a apresentação.

Situações muito parecidas vivi, em relação a trabalhos escritos, em prosa e verso.

Quantos poemas intrincados, cheios de “frases de efeito”, que pretendiam impressionar o leitor, sem, necessariamente, ter algum sentido. Quantos textos sem pé nem cabeça, cujas sentenças pareciam brigar, umas com as outras, e onde, ao começar a sofrida leitura, você ia de encontro a um tema (se conseguia captá-lo), e quando percebia, lá pelo terceiro ou quarto parágrafo, já estava se inteirando de assunto, completamente, diferente. E assim por diante.

No entanto, quem produz tais perversões literárias, julga-se talentoso literato.

E o bizarro artista não está sozinho, pois carrega consigo milhares de fiéis admiradores.

Conheço excelentes artistas, da pauta e da página, sérios, conscientes, que se dedicam ao seu trabalho, aprimorando sua inspiração, até que tome forma adequada, delicada e plena de entendimento, para apresentá-la a quem se interesse. Só que, geralmente, é muito raro que haja algum interessado. E quando, raramente, há apresentação, surgem muitos bocejos.

Conheço, também, muitos “pretensos” autores, sem noção real do que insistem em fazer e mostrar, que produzem cacos, em fonias e grafias, mas que fazem sucesso, onde quer que estejam e sejam ouvidos ou lidos. Um, em especial, que em cada dez palavras escritas, usa onze palavrões, consegue aplausos, risos, abraços dos ouvintes, que lhe compram qualquer rabisco exposto, em letras ilegíveis, apenas como recordação de sua nobre figura.

Não há como não recordar de Odorico Paraguassu, o bem amado, que com sua retórica singular (Vamos deixar de entretantos, e ir direto pros finalmente!), bem presente em diversos recantos de nosso país, na pessoa de prefeitos, vereadores e outras “artoridades”, tornou-se figura inesquecível e simbólica, mostrando a preferência do povo pelos fanfarrões incapazes, que falam errado, como a maioria, mas exibem autoridade para peitar ricaços. Invariavelmente, são eleitos, tornam-se, eles próprios, ricaços, torram o tesouro e distribuem migalhas ao povo.

Todavia, candidatos, poetas, escritores e compositores fanfarrões, continuarão a fazer sucesso com a maior parte da galera, pelo simples fato de que não precisam mostrar algo mais bem feito. Aliás, é até melhor que não façam nada direito, porque a identificação com o público vem dos erros, dos exageros, das piadas, das promessas absurdas ou das histórias fantásticas e, totalmente, inacreditáveis, que os tornam engraçados, fáceis de entender e até confiáveis.

Os artistas e candidatos sérios são chatos, incompreensíveis, dão sono, não parecem com ninguém conhecido, e todo mundo passa a considerá-los gente de posse, abonada, que não merece muito crédito, nem sabe falar, cantar ou escrever o que o público entende.

Estive em uma linda cidade, cujo nome omito aqui, e conheci um poeta e contista ótimo, já navegando nas ondas da sétima década de vida, com uma produção consolidada de quinze livros publicados (em ínfima tiragem), e reconhecimento formal até da Academia Brasileira de Letras, acerca de dois de seus trabalhos. Poemas e contos gostosíssimos de ler, sem nenhum rebuscamento, ideias simples e objetivas, rimas fáceis de interpretar, apesar de elaboradas com muito talento. E seu Honorato (nome fictício), não contava com mais de vinte e poucos leitores em sua região, mas era conhecido como o poetinha tagarela, porque, todos os fins de semana, dirigia-se ao coreto da praça principal, e declamava alguns poemas.

Paralelamente, todos conheciam o Charutinho, bêbado contumaz, poeta, filósofo de rua, que era aplaudido, sempre que aparecia numa esquina e pronunciava, em altos brados:

- Nóis tudo vive na merda! E como a merda nunca vai fartá, nóis tá garantido!

A cada frase semelhante, mais aplauso e mais ajuntamento. Até seu Honorato aplaudia.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 09/06/2019
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