Ô Zé

E essa seca que nos enterra?

O fazendeiro que se fora com sua trouxa nas costas, sem rumo.

Tão letrado, mas lá estão todos os livros cheios de palavras difíceis, e quem dera tais palavras o salva-se dessa miséria.

Ô Zé

Que faz um homem sem um poço d'agua e tantos livros na estante?

E a dona Maria, tão sonhadora, agora pouco lhe resta além de sonhos tão distantes.

Ela veio sem pedir licença, em todos os casebres e fazendas dessas terras

Cruel, tão real quanto a pele que ainda cobre esse meu corpo sem formas, de tão magro que se encontra.

Se fico Zé

Viro a múmia do nordeste em meio a poeira, um relíquia, quem sabe até daqui a alguns séculos serei estudado e não estaria tão diferente do que agora, jogado nesse chão que vai rachando com o tempo, onde antes chamava-mos de lago, tendo como companheiro o vento quente que abraça esse corpo gélido, tendo como sepultura esse meu sertão tão amado e que por amor aqui ainda estou.

Sem rumo Zé,

pois alguém precisa contar essa história, e nesse tempo que me resta, desletrado como sou, ainda teimo em dizer, que mesmo com nosso palavreado que dizem ser errado, escrevo, pois quem sabe num outro momento alguém decifre meus escritos e faça poeta esse nordestino desconhecido, mas que pelo sertão estás aqui jazigo e eternamente apaixonado.

J. Andrade

Crônica baseada no livro Vidas Secas de Graciliano Ramos.