Aposentadoria

Nascemos e crescemos com a idèia fixa de um dia sermos “funcionários públicos”, pelo menos meus pais me pentelharam a vida inteira para que eu prestasse algum concurso. Para mim tal feito veio bastante tarde pois já era casada e tinha todos os filhos que Deus me deu; já estava com meus quarenta anos. Mas enfim, lá estava eu numa escola, por acaso a mesma que estudei...e me sentia realizada! Mesmo sabendo que seria mais uma das mal pagas funcionárias estaduais na área da educação ,que diga-se de passagem ,paga muitíssimo mal! No começo as dificuldades de adaptação; filhos pequenos que ficaram em casa, casa que ficou sem a dona a limpar o dia inteiro, marido que reclama diariamente a minha presença e assim o tempo foi passando e entre ameaças de “eu saio disso”, os anos foram sendo vencidos e passaram-se 22 deles, para o meu deleite. E , ao completar os meus 60 anos, e nunca vi uma mulher esperar tanto chegar a essa idade, a minha carta de alforria seria assinada e foi. Finalmente ia poder voltar pra casa! Meus filhos, o lar, o marido, enfim...porém não me dei conta que os filhos cansaram de esperar e foram à luta; estudaram, se formaram e estão por aí trabalhando. Nem a casa é mais a mesma..o marido que era jovem hoje é um senhor idoso, grisalho ( pelo menos não é calvo) , barrigudo e que toma remédios para sobreviver. Terei eu culpa disso? É provável! Ele sempre reclamou minha ausência. Houveram mudanças em todos nós, muitas. E quem não teria sofrido mudanças em 22 anos? É uma vida. O marido aposentou aos 51 anos, portanto fazem mais de 18 anos que me espera para “aproveitarmos a vida”, mas o stres da espera já o contaminou . Eu já não sou mais a mesma, já tomo medicação contínua e também já apareceu a minha herança genética do pai ,(diabetes). Percebo com certa decepçaõ que ao longo de todo este tempo eu enchi uma agenda de promessas, de expectativas, de planos que certamente nem terei mais tempo para realizar. Ou seja , dei de cara com a realidade quando me vi dentro de uma casa que não era mais a mesma de quando saí para ir trabalhar. Diante de um marido que não é mais o mesmo; procurando os filhos ainda pequenos esperando por mim mas eles cresceram, criaram asas e voaram . Aí vem aquele pensamento-“ e amanhã?” Durmo até que hs? E aí vem aquela sensação de liberdade...sem colegas para administrar aquelas fofocas diárias que todo setor de trabalho tem ,sem diretora, sem alunos...meu Deus como tudo isso é bom!! Sem os sete km de estrada percorridos à beira mar, e disso vou ter saudades! Porém  um pensamento que martela a cabeça ... tudo terminou aqui, numa praia do litoral norte:ou seja, morri na praia? Andei, andei, construi e acabei aqui..sucumbindo na praia literalmente?  Abatida pela força das evidências ;meu tempo acabou? Ai,ai,ai....trabalhei, vi meus filhos crescerem, estudar, ganhar o mundo e eu ali sendo nada mais do que uma serviçal ao governo do estado. E sempre “aguardando aposentadoria”! Ela chegou, mas junto vieram as artrites, artrose, e outras tipo de dores musculares. E agora? Primeiro dia em casa -”Báh que bom”!!- Tu vais poder cozinhar com mais tempo,lavar e passar (coisa que quase esqueci), vamos cortar a grama, lavar calçadas e até fazer umas pinturas na casa, como sempre fazíamos, né? Né coisa nenhuma! Ele não viu que eu também sofri a ação do tempo, que já não tenho mais a mesma disposição, que meus gestos já são mais lentos? Báh!! E quando chego em casa ainda tenho toda esta agenda para cumprir? Não, não e não!!! Também envelheci, adoeci, me stressei, mudei, sofri, engoli sapos...Não! Me dêem  um tempo porque aquela que saiu de casa há 22 anos, não é a mesma que voltou. Preciso primeiro deixar cair a ficha.