PRACINHA, SEMPRE LEMBRADA

PRACINHA, SEMPRE LEMBRADA

O que me encanta é, depois de tantos anos, lembrar com muitas saudades do período que vivi na região de São Vicente que chamávamos de Pracinha. Até hoje não tenho certeza se a Pracinha era a Praça Bernardino de Campos onde hoje as pessoas que prestam exames de motorista ali nem imaginam o que eu e outros garotos, na época, vivemos e usufruímos daquele local, ou se era a Praça João Pessoa, palco das nossas reuniões noturnas e longas discussões sobre futebol e muitas brincadeiras e gozações. Mas Pracinha antes de tudo era de onde a gente era. Éramos da Pracinha, e ponto final. Às tardes, o futebol rolava solto na Bernardino de Campos, interrompido muitas vezes pela polícia, convocada por algum morador irritado com a zoeira inerente a uma pelada de futebol. Se não fosse a loira da esquina em frente à casa da família Lopes, seria o Sr. Gonella, pai do Marivaldo, quem denunciava o absurdo de jogarmos futebol em plena praça, um local com grama alta, atravessado por uma trilha diagonal de pedestres, e três ou quatro grandes eucaliptos. Era uma coisa tão mágica almoçar, ir ao encontro dos amigos, ver se já haviam escolhido os times. O jogo era na base de “três vira seis acaba” e o dono da bola tinha que jogar. O time que ganhava ficava em campo para jogar com o próximo time, que estava na fila de espera. Havia ocasiões que se reuniam três ou quatro times aguardando o jogo em andamento acabar e rolava uma grande pressão para mudar o critério para “um vira dois acaba” e “quem marcar o primeiro ganha”. À noite, os encontros eram na Praça João Pessoa, muito bem cuidada, com jardins que a gente não pisava. De um lado ficava o Seminário e do outro a casa dos Del Vecchio e o bar do Abel, com os bondes 2 e 22 passando em frente. Como havia uma variação nas idades, formavam-se grupos de conversas de acordo com os interesses comuns. Rolavam os mais variados assuntos, e a diversidade de cultura ou classe social era esquecida. Tinha cara que fazia faculdade e outro que não havia concluído o primário, tinha pintor (Osvaldo Assunto), carpinteiro fazedor de caixão (o Bode), encanador, polícia, entregador de marmita, motorista, peixeiro, petroleiros, filho de rico, uns malucos. E muitos desocupados que procuravam emprego às sextas feiras de tarde para não arrumar mesmo. O papo rolava solto, muito sobre futebol, estórias vividas no dia a dia. Se um grupo ia pescar e ocorria algum fato insólito, à noite era um assunto a mais na conversa. O interessante é que conviviam pessoas corretíssimas e outras de comportamento beirando a marginalidade. mas nessas ocasiões todos eram iguais e, que eu me lembre, não presenciei nenhuma atitude de rejeição, ocorrência de fortes discussões ou brigas. Tinha cara que andava armado, outros famosos por serem bons de briga, outros verdadeiros diplomatas. Lembro do Josias, um negro alto, cabeça raspada, culto, finíssimo, sorridente e elegante. Em contrapartida, o Saci chegava sempre fazendo gozações e fazia dupla com o Adilson, que reencontrei em 2002 como dono de um bar na Frei Gaspar, próximo ao Gáudio, e nos deixou uns anos depois. Era uma época de pura alegria, descobrimentos, muito boa.

Paulo Miorim 22/03/2019

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 22/03/2019
Reeditado em 22/09/2020
Código do texto: T6604811
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