A CULTURA DO ÓDIO

A recente morte do neto de Lula teria sido um acontecimento, embora triste, de repercussão limitada. A notícia ganhou destaque pelo fato de ensejar a oportunidade de saída provisória da prisão do ex-presidente para comparecer ao velório.

Essa possibilidade abriu uma guerra nas redes sociais onde bolsonaristas e petistas, indiferentes ao drama pessoal vivido pelo líder, procuraram faturar politicamente o episódio.

É sempre triste saber da morte de um menino de sete anos (seja quem fosse), ainda mais nas circunstâncias em que ocorreu, vitimado por uma doença fulminante.

Em mim, a nota de falecimento do garoto Arthur provocou consternação, principalmente em razão da situação do avô, encarcerado e privado do convívio com os familiares, que só não foi impedido de dar um último adeus ao neto pela benevolência de uma juíza que talvez tenha colocado o coração acima das injunções jurídicas.

Em momento algum, considerei a ideologia do aprisionado. Nem mesmo, sua índole pareceu importar nas circunstâncias. Afinal, tratava-se de um ser humano que perdeu alguém próximo. A imagem que me veio à cabeça foi apenas de um senhor abatido e solitário, confinado a um ambiente inóspito, desesperado e impotente ante as vicissitudes da vida que lhe tomaram um ente querido.

Esclareço não ter particularmente simpatia pelas ideias de Lula e menos ainda aprovo seus métodos questionáveis de atuação política. Mas isso em nenhuma hipótese entrou em cogitação naquele momento. O que representam meras divergências circunstanciais ante a tragédia da perda de um neto?

Personalidades de todos os matizes lamentaram o infeliz evento. Ainda que nem todos tenham se manifestado, adveio um silêncio respeitoso.

Era de se esperar que Bolsonaro, alçado pela população (majoritariamente cristã) ao posto máximo da nação, manifestasse-se (mesmo que toscamente pelo twitter, como é de seu feitio), enviando uma lacônica mensagem de pesar a seu oponente político. Afinal, Lula era um líder popular inconteste, figura histórica que por oito anos comandou o país num ambiente de democracia e liberdade. Nada. Nem uma palavra de conforto. Decepcionante para quem, em seu discurso de posse, pregou união nacional.

Inobstante o sepulcral silêncio do presidente, seu filho e fiel escudeiro Eduardo manifestou-se pelas redes sociais. Sobre a possibilidade de Lula participar do velório, expressou-se nesses termos: “Absurdo até se cogitar isso, só deixa o larápio em voga, posando de coitado”.

Não consegui conter minha indignação ante a vulgaridade dessas palavras repulsivas. Que indivíduo abjeto é esse que, alheio à dor de um ser humano na fase final da vida, preocupa-se apenas em privá-lo da despedida do neto? Nenhum cuidado com os sentimentos do desafortunado, visto apenas como um ‘larápio’, um inseto nocivo a ser impiedosamente esmagado. A única obsessão era a de não permitir àquele homem derrotado de 73 anos participar dos breves e tristes momentos de separação na companhia da família.

Essa reação sádica mostra bem o tipo de gene que compõe esse sujeito torpe, compartilhado pela prole Bolsonaro, inclusive pelo pai desairoso que, em momento algum, preocupou-se em reverter ou sequer amenizar essa declaração insana do filho desvairado.

O mais grave é constatar que os apoiadores do presidente, igualmente desprovidos de sensibilidade, saíram em defesa dessa barbárie moral, o que revela o elevado nível de insanidade que atingiu parte de nossa sociedade. Rapidamente, empenharam-se em divulgar posts desabonadores da dignidade de Lula, como se isso pudesse justificar tamanha perversidade.

A bem da verdade, a cultura do ódio por trás de atos dessa natureza, não é exclusiva dos seguidores fanáticos de Bolsonaro. Talvez com eles tenha atingido o paroxismo. Foi, porém, durante a era PT que se consolidou a postura maniqueísta de enfrentamento do ‘nós’ x ‘eles’, segundo a qual, quem não partilha de ‘nossos’ ideais, é ‘nosso’ inimigo e objeto do ‘nosso’ ódio perene. Essa foi a mensagem que o partido incrustou por anos em seus correligionários.

Por isso, também recebi com ceticismo as expressões ‘lacrimosas’ de apoiadores de Lula que rechearam o facebook com fotos do líder chorando ou abraçando o neto em momentos de congraçamento familiar. Aquelas comoventes cenas de ternura definitivamente não combinam com a atitude aguerrida detonadora dos frívolos valores burgueses, dos que propugnavam levantar as armas contra os malévolos ‘coxinhas’.

A divulgação das enternecedoras imagens familiares só se justificava porque o protagonista era o líder máximo do PT. A pessoa que ali padecia não era um cidadão qualquer, mas herói da resistência, instrumento da mudança revolucionária. Não era o homem, era o símbolo.

Essa suspeitosa compaixão obviamente não seria extensiva aos demais mortais que porventura vivenciassem situações dolorosas semelhantes, mormente os que não comungam dos ideais socialistas professados pelo partido.

Veio-me à lembrança que quando Lula perdeu a esposa, foi visitado no velório por FHC que, num gesto de gentileza e apoio, ofereceu-lhe um forte e caloroso abraço. Estranho que o ato do rival político não tivesse sido recebido por vaias das hostes petistas, presentes na cerimônia fúnebre, talvez atônitas pela inesperada visita de pêsames.

Sejamos honestos: seria concebível o Stédile ou a Gleisi derramarem-se em prantos e apoio emocional se o vitimado fosse um desafeto do PT? A solidariedade humana está aqui depurada pelo filtro ideológico.

O surgimento do fenômeno Bolsonaro e sua legião de cegos seguidores explica-se como reação extremada a décadas de ira petista acumulada. Tanto plantaram rancor na sociedade que acabaram por colher um monstro macabro escoltado por três filhos psicopatas com complexo de Rambo.

Petismo e bolsonarismo são manifestações de uma sociedade que cultiva o ódio irracional, avessa aos valores democráticos de tolerância, diálogo e compreensão. Transformaram o país num chiqueiro de sordidez e brutalidade.

Essa escalada de ódio patrocinada pelo PT e assumida com truculência pelos apoiadores de Bolsonaro, está destruindo o pouco de humanidade que nos resta.

Não há mais clima para abraços, calor humano e solidariedade. Ingressamos na era da consagração da virulência onde morte e sofrimento são louvados e as armas letais, cultuadas.

As redes sociais que dão plataforma a tais preceitos são tão mortais quanto as redes de malha fina lançadas pelos grandes pesqueiros que dizimam cardumes inteiros. Não são veículos de trocas de conhecimento mas arenas cobertas de sangue e martírio. Prestam-se não para difundir ideias mas para propagar calúnias e mentiras.

Que caminhos erráticos tomamos nessa rota em direção ao chamado “progresso” que nos fez cruéis a ponto de nos tornarmos indiferentes à morte de uma criança? Em que ponto nos perdemos do rumo da virtude e da cordialidade para nos convertermos em bestas insensíveis?

sergio sayeg
Enviado por sergio sayeg em 11/03/2019
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