Uma Flor

Eu a chamo de flor, simplesmente. Ela se abre uma vez ao ano. Ganhei a batata, ou tubérculo, de uma amiga lá em Esmeraldas, onde nós tínhamos uma chácara. Ainda lá ela se abriu por dois ou três anos, se bem me lembro. Quando vendemos a chácara, arranquei a batata e a trouxe comigo. Como voltei a morar na cidade, planteia-a em um vaso com terra adubada. Ela me acompanha há uns anos. Em novembro ela começa a sair debaixo da terra, para contemplar a vida aqui fora, respirar e exibir suas vestes vermelhas pontiagudas. Ela forma uma bola vermelha cheia de pontas, agulhas macias. As flores se abrem e se fecham, sem culpas; sem pressa. Enquanto para nós, humanos, o tempo é um inimigo sórdido a ser batido. As flores não têm a preocupação com seu tempo de vida. Nascem, dão flores e morrem naturalmente. Espalham sementes e brotos, para manter viva a espécie. enquanto nós, humanos, travamos uma batalha de Pirro contra a morte. A nossa relação com a vida é distópica. Destruímos as nossas flores internas. Vida e morte caminham lado a lado e podem viver em harmonia, como esta flor que morre e renasce uma vez ao ano, cujo nome, segundo informações colhidas por aí, é: Coroa Imperial. Apesar de eu não ter a mínima admiração por impérios, apaixonei-me por ela. A natureza não está preocupada com isso. Mas nós queremos um nome; até brigamos por um. Tem uma cena em Cem Anos de Solidão, do genial Gabriel Garcia Marquez, em que uma comunidade perde a memória e esquece o nome das coisas. Os nomes são invertidos, como flor não é flor, passa a ser nomeada de :minério, por exemplo; uma porta não é mais porta; porteira vira bacia, algo assim. Sabemos, graças à biologia, o nome de várias espécies. E de como cuidar delas.

Pois é: a Coroa Imperial fulorô...