ANO NOVO

O ano novo se aproxima, dia 31 de dezembro, mas a alegria ainda não chegou.

Faço um café preto, distraída, e sento em minha cadeira de balanço. O vai e vem traz doces lembranças de um passado feliz, onde o clima do ano que se aproximava chegava um mês antes, a casa estava sempre cheia, meus filhos e netos entravam e saiam o tempo todo, e na véspera era o dia inteiro de risadas, conversas e preparações para a noite. Eu ajudava em tudo, era uma alegria fazer o que eles gostavam de comer e deixar a casa toda arrumada para a virada, onde todos se abraçavam e desejavam felicidades para o ano que se iniciava.

Volto de meus devaneios com o café já frio em minhas mãos, que hoje são enrugadas demais. Tento me levantar e o corpo já não corresponde como deveria e caio novamente na cadeira, aguardo um momento até a tontura melhorar e vou até a cozinha, vazia. Passo o tempo com alguns afazeres, que já levam tempo demais. Vou até o portão, observo a rua, o dia está lindo, o céu em um azul claro e nenhuma nuvem para atrapalhar o sol.

Começo a fazer o almoço, com dificuldade, e não contenho as lágrimas. O que fiz de errado? Por que todos se afastaram? Minha família é tão grande, será que não sobra tempo para ninguém? Estão ocupados o ano inteiro, por que não separam nem datas tão importantes para virem me visitar? São perguntas sem resposta. São palavras e sentimentos que ficarão guardados em mim até o último dia de minha vida e talvez até depois. Almoço sozinha e assim fico até a noite, ainda com esperança de que alguém irá aparecer.

Quando anoitece, vou até a varanda em frente à rua, me sento e fico esperando. Não é possível que não apareça nenhum dos meus filhos. Observo os carros passando, ouço os vizinhos com suas famílias, animados. Novamente mergulho em pensamentos, lembranças de quando todos eram pequenos me invadem. Todos em volta de mim, carinhosos e agindo como se eu fosse a melhor pessoa e mãe do mundo. Esperavam a comida com os olhos brilhando, mas no fundo eu sabia que na realidade era a sobremesa que estava causando aquele brilho todo. Nem imaginam todas as dificuldades que passei para que tivessem aquele alimento e todo o resto de que necessitavam. Nem cogitam que, muitas vezes, enquanto eles estavam satisfeitos, eu estava com fome para que não lhes faltasse nada.

O tempo passa, já é quase meia noite e, realmente, ninguém apareceu. Caio em um choro profundo, sentido e decepcionado. As lágrimas são como o fogo que queima minha face, gota a gota. Mas também queima minhas expectativas e ilusões. Resolvo entrar, mas quando me viro, ouço alguém falar:

- Dona Maria, está sozinha?

Olho para trás e vejo minha vizinha no portão, me olhando tristemente.

- Estou, sim. Já vou me deitar. – Falo com a voz embargada.

- Não gostaria de passar a virada de ano com a minha família? Não vim antes porque achei que seus filhos estivessem com a senhora.

- Muito obrigada pelo convite, mas não estou me sentindo muito bem. Acho melhor entrar.

- Por favor, dona Maria, eu insisto! Ficaríamos tão felizes! Prometo que será só um pouquinho e logo a senhora volta para descansar.

- Tudo bem. Não vou fazer essa desfeita. Acho que consigo ficar em pé mais um tempinho.

Vamos para a casa dela e está cheia de gente. Adultos conversando sem parar, crianças gritando e correndo para todos os cantos. Todos me tratam muito bem e procuram me incluir em tudo. Vemos os fogos que começam a brilhar no céu e é como se a cada estouro abrisse uma porta no meu coração libertando toda mágoa, tristeza e ressentimento que estavam trancados. Nos abraçamos e desejamos felicidades para o novo ano.

Volto para casa mais leve e com a sensação de que realmente posso alcançar a felicidade desejada e com a convicção de que fiz tudo que pude para os meus filhos e netos: minha consciência está tranquila.

Fecho meus olhos com a seguinte certeza: laços sanguíneos não formam uma família, mas sim, sentimentos! E esses, muitas vezes, são formados e nutridos por amigos queridos. Pessoas que podemos escolher e que realmente vale a pena cultivar ao nosso lado. E sei que, nesse ano que se inicia, a colheita de sentimentos verdadeiros será farta.