AINDA É CEDO, AMOR.

Um dia, mamãe ficou gravida, meu pai sumiu quando soube da NOVIDADE.

Nasci, como nascem os sem pais que por muitas vezes, depende da ajuda e da boa vontade da vizinhança para acudir as tantas mães de filhos igual eu: Sem pais, porém filhos.

Fui crescendo lento, amado por minha mãe e admirado por todos que nos conheciam.

Um dia, achei uma antena de carro na rua, e comecei reger o vento.

No meu imaginário, cada sopro, tinha uma nota.

Chico Capoeira, Mestre do estilo Angola me disse: TENS TUDO PRA SER MAESTRO.

Maestro! maestro de sonhos que rege vento, como se montasse nos pentagramas da vida, a minha própria sinfonia de sonhos em preto e branco, desses que a gente não costuma acreditar.

Coincidentemente, fiquei sabendo, que o pai que eu nunca tive, era músico e poeta, negro lindo sabedor das coisas do morro e do asfalto. Nunca me deram uma foto dele. Mamãe sofreu demais, pois esperava algo diferente dos já passados 25 anos, em que ele simplesmente calado, nem adeus disse pra ela.

Será que faz sentido? Não. acredito que não, e tudo que lembre meu pai, não poderei gostar de faze-lo.

Mas no fundo, eu gostaria de vê-lo subir o morro, andando num gingado de malandro, vestido de branco, terno engomado, chapéu jogado de lado,sapato branco lustrado (parecendo um marinheiro todo de branco) lenço vermelho no bolso, e na lapela do terno, uma rosa vermelha para dar pra mamãe. Assobiando uma canção de cartola (O MUNDO É UM MOINHO) que ele sempre cantava pra mamãe. Essas coisas, ela me dizia, tentando conter a incontida tristeza, e um filete de saudades e lembranças boas, lhe escorriam do canto dos olhos, como prova de que apesar de todo penar, ela nunca o esquecera.

(Esse era o sentido da sua vida: AMAR, MESMO QUE A DOR FOSSE A COMPANHEIRA DO SEU LEITO NAS NOITES DE FRIO, onde por vezes eu a ouvia cantar assim: AINDA É CEDO AMOR, MAL COMEÇASTES A CONHECER A VIDA. E ria, sentindo-se feliz ao menos por curtos espaços de tempo).

Prova disso, é que nunca mais na sua vida, ela teve um outro Homem. Dizia que era pra não me maltratar, pois se o fizesse, seria ela a culpada. Acho que não, ela ainda esperava meu pai voltar para abraça-la, e juntos, cantar a canção que marcara as suas vidas.AINDA É CEDO, AMOR...

Um dia, chegando em casa, a rua estava movimentada, as pessoas me olhavam tristes e eu imaginei coisas de dor, de tristeza e separação.

Ao adentrar, eu vi a Minha mãe, já sem vida, com uma foto de meu pai abraçada em seu peito,(Eu nunca imaginaria que ela guardasse uma fotografia do meu pai. Morrera de saudade, amor, tristeza, espera e solidão.

Do outro lado da rua, na casa de Dona Neuma, (minha madrinha, sua amiga e confidente de vários anos), a vitrola em alto som espalhava a voz de Cartola para que todos pudessem ouvir: AINDA É CEDO AMOR, MAL COMEÇASTES, A CONHECER A VIDA..

Fim

Caldas de Cipó - Bahia, 05 de Novembro de 2018

CARLOS SILVA POETA CANTADOR
Enviado por CARLOS SILVA POETA CANTADOR em 05/11/2018
Reeditado em 05/11/2018
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